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Crime e corrupção
REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA
O periférico agride a sociedade em que vive por não ser respeitado. O central impede que o outro possa dignificar sua vida
A
S DUAS palavras estão intimamente ligadas. O crime é a porta aberta para a corrupção,
sendo esta um dos crimes. A ligação
fica mais próxima quando se trata do
agente público que o comete.
O principal é que se tenha em mente que o crime não é só uma disfunção
social. É produto e resultado da má
execução de políticas públicas. Estas
são as inúmeras formas de o Estado
interagir com a sociedade, levando às
comunidades, indistintamente, bem-estar, lazer, cultura, saúde e educação.
O Estado é o grande responsável pela
situação caótica em que se encontra o
país e suas maiores cidades.
Irresponsabilidade, perda do conteúdo familiar, insensibilidade do governante, ausência de paradigmas,
falta de religiosidade e, o último e o
mais importante, a frustração do
amor. É o filho que não sente o amor
dos pais, abandonado por estes e vivendo vida marginal. É a escola que
não substitui as atenções dos pais e se
encontra em seus piores momentos
de deterioração.
Não há, como se vê, uma causa. É a
ausência de um complexo de ações
que recebe o nome de políticas públicas. A sentida ausência do Estado e o
desamparo familiar conduzem o jovem a perder os valores sociais.
Outrora os paradigmas eram pessoas do mais alto coturno, cheias de
responsabilidade pessoal e pública.
Hoje, as referências são o PCC, os políticos mal-intencionados que assaltam os cofres públicos, as traições
sem fim, o destempero verbal, os padres pedófilos, as autoridades envolvidas em todo tipo de crime etc. Tudo
leva à perda do exemplo. As palavras
dos pais responsáveis e dos professores dedicados caem ao vento.
A violência se agiganta e a perseguição a marginalizados chega às raias do
absurdo. Prostitutas são agredidas,
mulheres são violentadas, gays e homossexuais são discriminados. É a sociedade em franco descontrole.
Os desvios de comportamento passam a ser constantes. Quase obrigatórios, a ponto de se entrever a famosa
frase de Rui Barbosa, de que se chega
a ter vergonha de ser honesto. A retidão de caráter é vista como defeito. O
comportamento sério constitui-se
em obstrução a que todos se aproximem da libertinagem. O que vale é o
mundo dos espertos.
O jovem que se vê desamparado pelo Estado se aproxima do crime, que
lhe fornece melhores meios de vida,
em que, pelo menos, pode levar à sua
mãe um pouco de conforto. A sedução
pela vida mais fácil, ainda que perigosa, é o que arrebata o jovem sem
expectativas.
Daí a perda de valores que deveriam imperar. Pátria e família passam
a ser artigos de luxo. Justiça nem sonhar. É mais fácil e rápida a solução
do "tresoitão". Para que perder tempo
com futilidade, se ele pode resolver
tudo de forma rápida e eficiente? Por
quanto tempo se pode aguardar soluções do Estado? Ainda mais deste Estado corrupto e que protege os mais
iguais, à imagem de George Orwell
("A Revolução dos Bichos").
A vida certa não compensa. A senda
criminosa oferece mais conforto, melhor situação perante os iguais, uma
vez que dá respeito. Se não tem o respeito do Estado como cidadão, irá ter
o dos outros, seus asseclas.
A conseqüência da perda de valores
se equipara ao bandido oficial que
desvia recursos públicos. Quem é
mais culpado? Ambos agridem a sociedade. Um, pela perda do paradigma; outro, por desvio de comportamento. Um é pobre e foi violentado
pela sociedade; o outro é rico e desconhece limites.
Ambos são criminosos. O periférico
agride a sociedade em que vive porque não é por ela respeitado. O central
impede que o outro possa ter recursos
para dignificar sua vida. Um tira a
chance do outro. Ambos são culpados.
Um leva o perdão da cruz. O outro deve ser crucificado.
REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, 62, desembargador
aposentado e professor titular da Faculdade de Direito da
USP, é deputado federal (PSC-SP). Foi vice-prefeito de
São Paulo (gestão Celso Pitta).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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