São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Flamingos e leão

JOÃO HERRMANN

Os flamingos são belos bípedes que abundam no Caribe, aliás palco também de paraísos fiscais. O leão, carnívoro exótico para o Brasil, é símbolo do nosso eficiente Imposto de Renda. Saindo do mundo animal, que em pequena mas significativa parte frequenta o título deste artigo, vamos ao mundo dos homens, onde há espécimes nativos, em abundância, a serem observados.
A Folha, em criteriosa pesquisa, feita pelos seus jornalistas responsáveis e investigativos, publicou reportagem, em sua edição de 9/9, sobre candidatos e seus patrimônios ("Políticos têm R$ 2,871 bi de patrimônio declarado", Eleições, pág. 5). Como a lei obriga os que pretendem ocupar cargos públicos a declarar seus bens e renda, nada mais legítimo do que tornar público o declarado pelo candidato. Ponto para a Folha.
Ora, a lei também obriga todos os cidadãos que auferirem rendimentos ou movimentarem recursos no país ou fora dele a os declarem para a Receita Federal. Pena que nem todos o façam, e muitos, nas asas dos flamingos, fujam dos dentes do leão.
Uma sociedade injusta esgarça o tecido social e apequena o Estado, violentando os mais pobres e tornando reféns os mais ricos. Um adolescente no morro, um desempregado na periferia, um sem-teto num cortiço, um aposentado doente ou uma viúva mãe de tantos são as vítimas da nossa "Intifada". Um carro importado, uma noite jovem festejada, uma roupa dos Jardins, um triplex, uma coluna social ou uma exibida ostentação são as atrações na vitrine da nossa "Colômbia".
Sou pai de cinco filhos, um com apenas quatro anos de idade, e avô de sete netos, as últimas duas gêmeas, nenês. Sou igual a tantos e milhares de outros pais, mães e avós deste Brasil pérfido e cruel na sua estrutura social. Não quero me blindar a tamanha injustiça e violência, ao contrário, quero lutar contra ela. Tenho que fazer crer aos que temem os instrumentos do crime, o sequestro, as ameaças, que se abatem ao medo que ser dócil ao leão é menos perigoso que alimentar os flamingos.
"Last, but not least", temos uma cultura vicejada de mentiras, que de tanto ditas frequentam o mundo da verdade.


Uma sociedade injusta esgarça o tecido social, violentando os mais pobres e tornando reféns os mais ricos


Entre muitas delas, que atingem indistintamente todas as profissões, estão as que maculam a honra de advogados, padres, médicos, funcionários públicos, jornalistas e, abundantemente, de políticos. São poucos os que ilustram as mentiras, mas estes fazem com que elas adquiram as faces da verdade.
Ao meu lado tenho, há mais de 25 anos, verdadeiros e completos exemplos de comportamento digno e probo. Orgulho-me da maioria dos políticos brasileiros, que devessem dar, a André Franco Montoro, o título de patrono. Porém, num mundo onde a beleza é o rufar do flamingo e assustador é o urrar do leão, temos que mostrar aos que elegem que quem foge do belo e se assanha com o leão não está se arriscando a ser devorado, mas está abandonando a fragilidade da natureza para combater a dureza da vida.
A Folha, no seu papel democrático, começou um candente debate. Envolvi-me, com orgulho e respeito à minha biografia, nele.
Estas reflexões são fruto do que vivi nos últimos dias. Como tudo que se inicia, intriga. Não sei o fim. Mas já escolhi minha companhia. Ficarei com o leão.


João Herrmann Neto, deputado federal pelo PPS-SP, líder do partido na Câmara, é coordenador político da Frente Trabalhista.



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