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TENDÊNCIAS/DEBATES
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O Brasil deveria adotar o voto facultativo?
SIM
Votar é um direito do cidadão
DAVID FLEISCHER
AS PESSOAS que são favoráveis à
manutenção do voto obrigatório no Brasil partem do princípio de que o voto é um dever do cidadão, que o Estado tem que obrigar o
cidadão a exercer esse dever e ainda
tutelar todos nesse sentido.
Esse raciocínio afirma que a população brasileira não tem consciência
da importância desse dever para a
manutenção da democracia e que, se
o voto não fosse obrigatório, os "menos esclarecidos" (isto é, os com pouca escolaridade) deixariam de votar
-daí a necessidade da tutela oficial
para obrigá-los a praticar o sufrágio,
com conseqüências negativas e multas caso o cidadão deixe de votar.
Porém, as pessoas que pensam no
sentido contrário -que o voto é um
direito que o cidadão pode exercer se
quiser- são favoráveis ao conceito do
voto facultativo. A comparação é com
a carteira nacional de habilitação. A
pessoa com o requisito mínimo (18
anos) tem o direito de tirar uma carteira de motorista -não é obrigatório,
mas um direito que o cidadão pode
exercer se quiser.
Quando o voto obrigatório foi instituído no Brasil no Código Eleitoral de
1932 e reafirmado no de 1950, a questão dos eleitores "pouco esclarecidos"
talvez tenha tido mais relevância
-tendo em vista a baixa escolarização
do eleitorado naquela época.
Há 60 anos, o eleitorado brasileiro
era muito pequeno por causa da não-inclusão dos analfabetos. Mesmo entre os alfabetizados que conseguiram
se alistar como eleitor, o nível de escolarização era muito baixo.
Em 1933, o eleitorado que elegeu a
Constituinte de 1934 contou
1.466.700 eleitores (3,7% da população). Em 1945, eram 7.499.670 eleitores (13,4% da população). Ainda com
a exclusão dos analfabetos em 1960, o
eleitorado era somente 22,2% da população. Mas, em 2008, com a inclusão dos analfabetos pela Constituição
de 1988, o eleitorado de 128,5 milhões
de pessoas já é 68,8% da população
brasileira.
Por outro lado, o argumento de que
o voto tem que ser obrigatório porque
grande parte do eleitorado é "pouco
esclarecida" não tem mais relevância,
como talvez tivesse nos anos 1950.
Embora grande parte do eleitorado
em 2008 não tenha acesso aos jornais, quase todos têm acesso ao rádio
e à televisão, de onde recebem uma
quantidade grande de informações
sobre o sistema político brasileiro, os
governos e os candidatos aos diversos
cargos nas eleições. As pesquisas de
opinião mostram claramente que
sim, os eleitores brasileiros estão bastante esclarecidos sobre a política.
Outro argumento em favor do voto
obrigatório é que, se fosse facultativo,
"os pobres deixariam de votar". Porém, pesquisas sucessivas do Datafolha mostram o contrário -uma "curva U"-, que os pobres e os mais ricos
continuariam votando e justamente a
classe média (alienada?) deixaria de
votar. Com o voto facultativo, as pressões sobre os eleitores com "menos
autonomia" para tutelar seu voto seriam reduzidas por não contar mais
com a coação da obrigatoriedade.
Um argumento contra o voto facultativo é que ele reduz a participação
eleitoral, como nos Estados Unidos,
onde tanto o alistamento como o voto
são facultativos e, às vezes, o comparecimento às urnas chega a 40% dos
aptos a votar. No primeiro turno das
eleições municipais, no dia 5 de outubro, o comparecimento do eleitorado
brasileiro chegou a 85%. Nos países
que têm o voto facultativo, ninguém
questiona a legitimidade das eleições.
Durante a Assembléia Nacional
Constituinte (1987-1988), o PT apresentou uma proposta interessante
-que o alistamento continuasse obrigatório, mas que o voto fosse facultativo. Quem sabe esse assunto venha a
ser contemplado na reforma política
em 2009?
DAVID FLEISCHER, 67, doutor em ciência política pela
Universidade da Flórida (EUA), é professor emérito na
UnB (Universidade de Brasília) e membro do Conselho Diretor da Transparência Brasil.
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