São Paulo, quarta-feira, 25 de novembro de 2009

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Drummond sem óculos

SÃO PAULO - O mundo está sempre repleto de assuntos graves à espera de um comentário de jornal. Este colunista pede hoje licença para dar de ombros diante da gravidade das coisas. Vamos pegar a ponte aérea para aterrissar nas areias de Copacabana ou, mais precisamente, com a permissão de Ruy Castro e Carlos Heitor Cony, no calçadão de Copacabana, onde, num canto da praia, descansa a figura de bronze de Carlos Drummond de Andrade.
O poeta está ali, sentado de costas para o mar, o corpo levemente curvado, no seu gesto característico de introspecção, não se sabe ao certo se melancólico ou irônico.
Ocorre que Drummond está sem óculos -já arrancados sete vezes do rosto desde que chegou ao local, em 2002, homenagem ao centenário de seu nascimento. Notícias na internet davam conta de que Drummond havia perdido os óculos pela oitava vez. Ao que parece, era alarme falso. Desde janeiro, quando vândalos o atacaram pela última vez, o poeta tem sido condenado a ver tudo embaçado. Um dos seus braços também foi avariado.
A prefeitura desistiu de gastar dinheiro com Drummond. O poeta foi privatizado em praça pública. Uma empresa fabricante de lentes se responsabilizou pela escultura e diz agora que aguarda a instalação de uma câmera de vigilância para então presentear o maior nome da poesia brasileira com sua nova armação -a oitava. Sobreviverá?
No largo do Chiado, em Lisboa, há uma estátua de Fernando Pessoa. O poeta português está lá desde 1988, também centenário de seu nascimento, sentado a uma das mesas do espaço externo do café "A Brasileira", que costumava frequentar. É uma região boêmia, ponto das animadas noites lisboetas. O colunista João Pereira Coutinho, português, diz não ter lembrança de nenhum ato de vandalismo contra a escultura de bronze de Pessoa.
Um mundo em que mais pessoas lessem Drummond seria melhor só por isso. Se, ao menos, sua estátua resistir ao Brasil, já terá sido um avanço. Dorme, meu filho, dorme.


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