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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Drummond sem óculos
SÃO PAULO - O mundo está sempre repleto de assuntos graves à espera de um comentário de jornal.
Este colunista pede hoje licença para dar de ombros diante da gravidade das coisas. Vamos pegar a ponte
aérea para aterrissar nas areias de
Copacabana ou, mais precisamente, com a permissão de Ruy Castro e
Carlos Heitor Cony, no calçadão de
Copacabana, onde, num canto da
praia, descansa a figura de bronze
de Carlos Drummond de Andrade.
O poeta está ali, sentado de costas
para o mar, o corpo levemente curvado, no seu gesto característico de
introspecção, não se sabe ao certo
se melancólico ou irônico.
Ocorre que Drummond está sem
óculos -já arrancados sete vezes do
rosto desde que chegou ao local, em
2002, homenagem ao centenário
de seu nascimento. Notícias na internet davam conta de que Drummond havia perdido os óculos pela
oitava vez. Ao que parece, era alarme falso. Desde janeiro, quando
vândalos o atacaram pela última
vez, o poeta tem sido condenado a
ver tudo embaçado. Um dos seus
braços também foi avariado.
A prefeitura desistiu de gastar dinheiro com Drummond. O poeta foi
privatizado em praça pública. Uma
empresa fabricante de lentes se responsabilizou pela escultura e diz
agora que aguarda a instalação de
uma câmera de vigilância para então presentear o maior nome da
poesia brasileira com sua nova armação -a oitava. Sobreviverá?
No largo do Chiado, em Lisboa,
há uma estátua de Fernando Pessoa. O poeta português está lá desde
1988, também centenário de seu
nascimento, sentado a uma das mesas do espaço externo do café "A
Brasileira", que costumava frequentar. É uma região boêmia, ponto das animadas noites lisboetas. O
colunista João Pereira Coutinho,
português, diz não ter lembrança de
nenhum ato de vandalismo contra a
escultura de bronze de Pessoa.
Um mundo em que mais pessoas
lessem Drummond seria melhor só
por isso. Se, ao menos, sua estátua
resistir ao Brasil, já terá sido um
avanço. Dorme, meu filho, dorme.
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