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São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Natal de Cristo, um evento histórico

AMAURY CASTANHO

O nascimento de Jesus Cristo, há 20 séculos, é um evento inegavelmente histórico. Foi antecipado pelos profetas de Israel, como Isaías, que em seu livro refere-se até mesmo à cidade de Belém, na Judéia, como aquela em que "Ele haveria de nascer de mãe virgem" (Is, 7, 14).
São Lucas, sem dúvida o melhor historiador entre os quatro evangelistas, afirma: "Naqueles tempos apareceu um decreto de César Augusto, ordenando o recenseamento em toda a terra. Esse recenseamento foi feito antes do governo de Quirino, na Síria. Todos tinham de alistar-se, cada qual em sua cidade. Também José subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à cidade de Davi chamada Belém, porque era da casa e da família de Davi, para alistar-se com sua esposa Maria, que estava grávida. Estando ali, completaram-se os seus dias. Ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e reclinou-o em um presépio, porque não havia lugar para eles na hospedagem" (2, 1-7).


Jesus, em seus 33 anos de vida, realizou um projeto de salvação e acabou mudando radicalmente os rumos da história


Poucos personagens do século 1º são tão exatamente situados em seu tempo!
O Natal de Jesus, "Ioshuá", "aquele que salva", foi atestado não só pelos evangelistas e apóstolos. Dele há referências em três conceituados historiadores não-cristãos do século 1º: Flávio Josefo, Tácito e Plínio, o Moço. Consulte o leitor o insuspeito livro "Documentos da Igreja Cristã" (Aste, São Paulo, 1967), do protestante Henry Bettenson, nas páginas 26 e 28. Esses escritores referem-se, nominalmente, a um personagem do século 1º chamado Cristo, fundador de uma nova religião, o cristianismo, logo perseguida pelos imperadores, sendo muitos dos seus fiéis martirizados sob Nero.
Jesus, proclamado por Ele mesmo e por seus contemporâneos como "Filho de Davi", "Nazareno" e "Filho de Deus", viveu na Palestina daquele tempo e, nos últimos anos de sua vida, reuniu em torno de si 12 apóstolos, 72 discípulos e algumas mulheres piedosas. Foi condenado à morte pelo sinédrio e crucificado por ordem de Pôncio Pilatos. Um dos autores lembrados refere-se claramente à crença em sua ressurreição e à rápida expansão do cristianismo pelo império.
Assim, Jesus -além de ser inegável a sua existência-, em seus 33 anos de vida, realizou um projeto de salvação e acabou mudando radicalmente os rumos da história. Fustel de Coulanges, em seu livro "A Cidade Antiga", permite-nos afirmar que o cristianismo acabou alterando notavelmente os costumes de seu tempo e do Império Romano. O "Nazareno" proclamara valores jamais anunciados por alguém, como o amor fraterno e o perdão das ofensas, superando, por seus exemplos e magistério, as discriminações da época contra a criança, a mulher e o escravo.
Em apenas três séculos os cristãos espalharam-se pelo império, fazendo-se presentes também na própria casa imperial. No princípio do século 4º, a mãe de Constantino Magno, santa Helena, era cristã. O próprio imperador fez-se batizar, tornando-se benfeitor dos cristãos e decretando, pelo Édito de Milão do ano 313, a liberdade da nova religião, respeitando as demais minoritárias no império.
A partir daí, a legislação do império superou a poligamia, o divórcio, o aborto, o infanticídio feminino e as discriminações contra a criança, a mulher e os escravos. As nações do Ocidente, a partir do século 5º, após as invasões bárbaras, tornar-se-iam católicas. A Europa e as Américas, nos séculos seguintes; e nos dias de hoje elas continuam tendo um grande respeito pela criança e prosseguem valorizando a mulher e o operário, situações ainda existentes em nações não-cristãs.
Na certeza de que este e outros Natais de nossas vidas estarão centralizados na pessoa de Jesus Cristo, o aniversariante, não em figuras exóticas como o Papai Noel, faço sinceros votos de um Natal feliz, abençoado pelo Menino Deus, desejando também que seja a festa de toda criança e família. Recomendaria, lembrando a pessoa da "criança que Deus nos deu", que todos os pequeninos pudessem ter a alegria de um presente. Que toda família possa se reunir em torno do presépio e de uma mesa fraterna. Que Cristo, o Príncipe da Paz, conceda esse inestimável dom a todos os povos!
Os mesmos votos de feliz Natal e melhor Ano Novo estendo aos que têm a responsabilidade de governar, servindo o povo nos municípios, Estados e na Federação do Brasil. "Servir", e não "dominar", o dever fundamental, à luz do Evangelho, de toda autoridade civil ou religiosa.

Dom Amaury Castanho, 76, jornalista, é bispo diocesano de Jundiaí (SP). É autor de, entre outros livros, "Por Uma Nova Sociedade no Terceiro Milênio".


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