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São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Deus não é brasileiro

RIO DE JANEIRO - Iniciamos a semana que antecede a nossa maior festa popular com uma onda de estupidez que traumatizou as duas maiores cidades brasileiras. No Rio, não se sabe se os traficantes ou outro tipo de bandidos conseguiram imobilizar a população, que evitou sair de casa para não sofrer a violência gratuita que fechou parte do comércio, incendiou mais de 20 ônibus e destruiu carros numa selvageria a que pouco a pouco vamos nos habituando.
Em São Paulo, torcidas de futebol e de escolas de samba, também na gratuidade da mesma selvageria, deixaram vítimas fatais, sendo que algumas delas nada tinham a ver com o futebol ou com o Carnaval.
Seria o caso de perguntarmos como Cícero: onde estamos? Num país abençoado por Deus e bonito por natureza? Por coincidência, dois filmes nacionais recentes invocam o nome de Deus. Tanto "Cidade de Deus" como "Deus é brasileiro" acentuam a ironia de nossa realidade.
Quando deram o nome de Deus a um grupo de moradores expulsos do morro do Pasmado e de outras favelas da zona sul do Rio, a intenção foi até piedosa: a de criar uma coletividade com mais conforto e solidariedade. E a crença de que Deus é nosso patrício está enraizada no coração dos simples que deveriam herdar a Terra, mas acabam herdando a violência e a miséria.
Ora, direis, são minorias da população que desafiam o Estado que está falido, e não por culpa dos traficantes e dos bandidos. Basta um dado para sentirmos a falência de nossas instituições: 56% do nosso Produto Interno Bruto são para pagar os juros de uma dívida cujo principal nem sequer é abatido.
Nos últimos oito anos, vendemos parte de nosso patrimônio sob o argumento de que o dinheiro arrecadado pagaria parte substancial da dívida.
Esse tipo de violência nada tem a ver com Fernandinho Beira-Mar. Decididamente, Deus não é brasileiro. Ou pior: é um mau brasileiro.


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