São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

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IGOR GIELOW

A ética virtual

BRASÍLIA - O Brasil dos políticos parece, às vezes, uma versão mal-ajambrada do site Second Life, a febre virtual na qual os usuários podem criar um mundo à imagem e semelhança de suas vontades -uma celebração, ainda bem moderada, da máxima lacaniana do "não ceda em seu desejo".
Nesse Brasil virtual, o segundo mandato de Lula já começou, o PAC coalhou o país de obras, há um "governo de coalizão" com oposição séria. Descendo mais alguns degraus, passando de ilusões épicas para o grau paroquial, chegamos a gente como o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Ele é o que em Brasília os jornalistas, nós próprios encantados com nossas virtualidades peculiares, chamamos de "boa fonte": líder de bancada, acessível, informado.
Em entrevista ontem a esta Folha, Alves confessa candidamente que usou o dinheiro de sua verba indenizatória (R$ 15 mil mensais para cada nobre deputado) durante o recesso da Câmara de janeiro para comprar reportagens favoráveis a si próprio no jornal que controla.
Alves orgulha-se da aplicação que fez do dinheiro público. "Fizemos uma página de jornal muito bonita", diz, sobre ele mesmo. A falta de noção talvez até seja explicável pela quantidade de tempo, "dez mandatos" em suas palavras, em que vive imerso no mundo virtual. Mas essa anestesia, ainda que verdadeira, não o inocenta.
E Alves não é o único. Sobram exemplos análogos na imprensa regional, não por acaso alvo da estratégia de comunicação do governo Lula, com a distribuição de noticiário governista "customizado" e simpáticas verbas oficiais.
Se o mundo deles fosse mais real, Alves e semelhantes seriam cassados por quebra de decoro e submetidos aos ritos da lei. Mas isso não deve ocorrer. Afinal de contas, seus pares têm a prerrogativa de julgá-lo. E todos estão lá, vivendo sob as mesmas regras éticas virtuais.

igielow@folhasp.com.br


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