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IGOR GIELOW
A ética virtual
BRASÍLIA - O Brasil dos políticos
parece, às vezes, uma versão mal-ajambrada do site Second Life, a febre virtual na qual os usuários podem criar um mundo à imagem e
semelhança de suas vontades
-uma celebração, ainda bem moderada, da máxima lacaniana do
"não ceda em seu desejo".
Nesse Brasil virtual, o segundo
mandato de Lula já começou, o PAC
coalhou o país de obras, há um "governo de coalizão" com oposição séria. Descendo mais alguns degraus,
passando de ilusões épicas para o
grau paroquial, chegamos a gente
como o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Ele é o que em Brasília os jornalistas, nós próprios encantados com
nossas virtualidades peculiares,
chamamos de "boa fonte": líder de
bancada, acessível, informado.
Em entrevista ontem a esta Folha, Alves confessa candidamente
que usou o dinheiro de sua verba indenizatória (R$ 15 mil mensais para
cada nobre deputado) durante o recesso da Câmara de janeiro para
comprar reportagens favoráveis a si
próprio no jornal que controla.
Alves orgulha-se da aplicação que
fez do dinheiro público. "Fizemos
uma página de jornal muito bonita", diz, sobre ele mesmo. A falta de
noção talvez até seja explicável pela
quantidade de tempo, "dez mandatos" em suas palavras, em que vive
imerso no mundo virtual. Mas essa
anestesia, ainda que verdadeira,
não o inocenta.
E Alves não é o único. Sobram
exemplos análogos na imprensa regional, não por acaso alvo da estratégia de comunicação do governo
Lula, com a distribuição de noticiário governista "customizado" e simpáticas verbas oficiais.
Se o mundo deles fosse mais real,
Alves e semelhantes seriam cassados por quebra de decoro e submetidos aos ritos da lei. Mas isso não
deve ocorrer. Afinal de contas, seus
pares têm a prerrogativa de julgá-lo. E todos estão lá, vivendo sob as
mesmas regras éticas virtuais.
igielow@folhasp.com.br
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