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CLÓVIS ROSSI
Memórias e vergonhas
SÃO PAULO - Quando a revista
"Veja" publicou a famosa entrevista
com Pedro Collor de Mello, que
acabaria por levar o irmão-presidente ao impeachment, eu era correspondente desta Folha em Madri. No domingo em que a revista
começou a circular, Alon Feuerwerker, então no comando da Sucursal da Folha em Brasília, me ligou com uma ordem: "Quero você
em Brasília amanhã de manhã".
Peguei o primeiro vôo Madri/
Lisboa, para fazer em Portugal a conexão para o Rio. Mal me ajeitei no
assento, notei os folhetos alertando
os passageiros sobre os riscos da febre amarela, o surto da vez no Brasil. Pouco depois, o serviço de som
reforçou o alerta.
Senti o que os espanhóis chamam de "vergüenza ajena", vergonha pelos outros. No caso, na verdade, pelos meus patrícios, por em
pleno final do século 20 ainda sermos vítimas de pragas com ecos
medievais, na saúde, e da praga
eterna da corrupção, na política.
Dezesseis anos, três presidentes
e cinco mandatos depois, nem preciso entrar num avião para de novo
sentir vergonha. Basta ver o "Jornal Nacional", na segunda, com todas as cenas explícitas do primitivismo tropical que ele exibiu.
Ou ler o artigo de Cecilia Gianetti, nesta Folha, em que ela, com
duas dengues no currículo, reclama: "Gostaria que estivéssemos
num tempo em que alguém pudesse me acusar de alarmista. Antes
fosse exagero meu, e não abandono. Abandono é novamente a palavra que define esta velha-nova estação (...e) a lentidão das autoridades
a lidar com a epidemia que já fez
neste ano mais de 23 mil doentes só
na capital".
Lembro que um dos textos meus
que a censura cortou falava de um
surto de meningite em São Paulo,
há quase 40 anos. Não são, pois, 16
anos, 3 presidentes, 5 mandatos. É
mais tempo, é ditadura, é democracia. É abandono, é lentidão.
crossi@uol.com.br
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