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CARLOS HEITOR CONY
O novo Adão
RIO DE JANEIRO - Periodicamente aparece um personagem público que se destaca pela capacidade de dar palpites sobre qualquer
assunto. A mídia tem um faro especial para desencavar esses caras,
que são procurados para dar nome
às coisas, sejam quais forem, como
novo Adão, que, segundo a lenda, a
pedido do Criador, deu nome às árvores, às galinhas e às nuvens.
Durante anos, pelos menos até o
advento do movimento militar de
64, que o baniu do noticiário, dom
Hélder Câmara era o Adão preferencial. Dava palpite sobre tudo,
desde concurso de misses e seleção
nacional a problemas de trânsito,
filosofia quântica e caça às baleias.
O Adão que atualmente nomeia
as coisas é Gilmar Mendes, procurado sobre qualquer assunto, inclusive os de sua especialidade, pois se
trata de um juiz na alta esfera do
Supremo Tribunal. Creio que não
lhe faltem conhecimentos técnicos,
embora lhe falte a conveniência de
certas declarações que equivalem a
um prejulgamento.
Como se sabe, um juiz, da primeira à última corte, só pode se manifestar nos autos de um processo. Se
acaso tem algum comprometimento anterior com uma das partes, deve se declarar impedido naquela
ação, uma vez que já formou e divulgou opinião antecipada sobre a
matéria antes de ser instaurado o
processo judicial.
Um juiz, de qualquer instância,
pode ter e expressar opiniões sobre
a previsão de chuvas, os destinos finais das novelas da TV, o legado cultural de John Lennon, o local onde
estão enterrados os ossos de Dana
de Teffé. São enigmas que dificilmente formarão matéria de direito.
O atual presidente do STF antecipa publicamente juízos sobre problemas que, mais cedo ou mais tarde, poderão entrar na pauta daquela corte de justiça. Nesses casos, pode ser acusado de suspeição.
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