São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Dolly e os embriões humanos

FRANCESCO SCAVOLINI

A decisão que os senadores serão chamados a tomar daqui a poucos dias em relação à Lei de Biossegurança envolve não somente aspectos técnicos, mas também questões éticas e jurídicas de fundamental importância.
De fato, os senadores poderão confirmar ou não a sábia resolução, tomada pela Câmara dos Deputados, de excluir qualquer possibilidade de manipulação e destruição de embriões humanos, inclusive para fim de clonagem "terapêutica". O veto dos deputados federais a qualquer forma de manipulação e destruição dos embriões humanos está fundamentado no alicerce do respeito absoluto que é devido à vida humana e que está consagrado também em cláusula pétrea da Constituição.
Na verdade, entre os cientistas, ninguém duvida que o embrião humano é um organismo distinto e indivisível -isto é, um ser vivo pluricelular dotado de existência autônoma. Um ser vivo cujo início se dá no exato momento em que a célula masculina chamada espermatozóide se une à célula feminina chamada óvulo. Para a ciência, portanto, o embrião humano não é uma vida potencial ou virtual, mas uma vida real, um ser humano vivo, que não pode ser tratado como uma coisa ou um objeto descartável.
Os supostos fins terapêuticos que alguns cientistas alegam para defender a manipulação ou a clonagem de embriões não justificam a eliminação de vidas humanas, mesmo que estas, como é o caso dos embriões, se encontrem no estágio inicial de seu desenvolvimento, pois, se, por absurdo, fosse lícito eliminar vidas humanas embrionárias para supostamente beneficiar outras vidas humanas, alguém poderia também teorizar e propor, por exemplo, a "exclusão" de pessoas idosas e doentes, para deixar vagas disponíveis nos hospitais a pessoas jovens que, uma vez curadas, poderiam trabalhar e produzir mais, em termos econômicos, em benefício da sociedade.
Isso representaria, evidentemente, uma aberração e uma discriminação absolutamente inaceitáveis e indignas. Na verdade, a resposta aos legítimos anseios e às esperanças da sociedade em relação à cura de doenças passa pela pesquisa científica que respeite os limites da ética e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, graças a Deus, a medicina já comprovou a eficácia das células-tronco adultas (não-embrionárias), por exemplo, no caso da reconstrução dos tecidos de corações danificados por infarto (há quase três anos, na Alemanha, o dr. Bodo-Eckehard Strauer, chefe do setor de cardiologia da Universidade Heinrich Heine, de Düsseldorf, vem restaurando perfeitamente, sem necessidade de operação, corações praticamente destruídos pelo infarto, injetando células-tronco tiradas da medula óssea do próprio paciente).


Quando o homem quer "brincar" de Deus e tenta se tornar dono absoluto da vida, ele pode gerar monstros
Há que ter em conta ainda que os cientistas da Universidade Duke, nos EUA (Carolina do Norte), depois de três anos de pesquisas chefiadas pelo professor Farshild Guilak, descobriram células-tronco adultas na gordura humana (tecidos adiposos). Tais células, que podem se transformar em células ósseas, em células cartilaginosas, em células nervosas e também adiposas, abrem novos caminhos para a medicina.
Se a tudo isso acrescentarmos o fato de que a pesquisa científica está mostrando a viabilidade do uso das pluripotentes células-tronco retiradas do cordão umbilical após o parto, eis que pode e deve ser evitada tanto a manipulação quanto a clonagem, pois a ação de criar ou manipular embriões para suprimi-los seria um crime contra a humanidade.
Aliás, falando em manipulação da vida, é bom lembrar que a ovelha Dolly, o primeiro clone animal da história, morreu há um ano, revelando surpreendentemente ter uma idade biológica bem maior do que a idade temporal, ou seja, ela nasceu já velha e, por isso, teve precocemente doenças típicas da velhice e conseqüente morte. Assim, podemos perguntar: por que os cientistas que clonaram Dolly não previram isso?
É uma boa pergunta, pois paradoxalmente oferece-nos a seguinte resposta: quando o homem quer "brincar" de Deus e tenta se tornar dono absoluto da vida, ele pode gerar monstros .
De fato, quem pode excluir a possibilidade de, assim como no caso da ovelha Dolly, aparecerem -Deus não permita!- problemas, talvez de outro tipo, nos outros casos de fertilização "in vitro" e manipulação genética? Veja-se, por exemplo, a notícia publicada pela Folha Online, em 27/1/04, cujo título é "Embrião de proveta tem desvio de comportamento, diz estudo".
Com certeza a humanidade chegou numa encruzilhada decisiva; por isso é digno de louvor o veto da Câmara à clonagem e à manipulação dos embriões, pois mostrou ao mundo inteiro que a dignidade humana, feita à imagem e à semelhança de Deus, não pode ser desprezada nem reduzida a objeto.
Finalmente, faz-se necessária uma reflexão com relação aos embriões congelados e rejeitados pelos "pais": o Estado, por meio de uma lei apropriada, deveria favorecer a "adoção" de tais embriões, para que as mulheres que desejarem possam receber em seu ventre uma nova vida e dar à luz um ser humano certamente ansioso, como todos nós, por dar e receber amor e carinho.

Francesco Scavolini,48, doutor em jurisprudência pela Universidade de Urbino (Itália), é especialista em direito canônico.

@: f.scavo@terra.com.br



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