São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O gênero e o grau

RIO DE JANEIRO - Um dos itens do último censo que mais provocaram comentários de especialistas e palpiteiros em geral foi a queda da "popularidade" da Igreja Católica no Brasil. Queda que vem se acentuando de censo a censo e que aparentemente coloca a chamada Nau de Pedro à beira do naufrágio no encapelado mar da modernidade.
A queda na popularidade é real, mas a interpretação da queda é viciada por um equívoco elementar: o de julgar o grau e esquecer o gênero. Filosoficamente, essa é a primeira operação da mente para se chegar a um raciocínio e, posteriormente, a um juízo de valor.
No grau, fácil de medir por pesquisas, por enquetes e até mesmo por sensores eletrônicos, é evidente que a Igreja Católica não é mais a potência temporal que foi na Idade Média ou, para ficarmos em casa, no período do Brasil colonial.
Acontece que a igreja não pode ser medida pelo seu grau, e sim pelo seu gênero, que é único na história e com o qual vem atravessando 21 séculos de mudanças substanciais no grau.
Ela não pode ser avaliada como um produto industrial, a marca de um carro, de um sabonete, o sucesso de um espetáculo da TV. Sua finalidade não é ter muitos adeptos, liderar isso ou aquilo, estar ou não estar ""up-to-date" com os progressos ou regressos da sociedade e da ciência em geral.
Se o mundo marcha numa direção, a igreja por sua definição ontológica não tem nada a ver com isso, marcha em outro sentido e com outra finalidade. Começou nas catacumbas de Roma, pode terminar onde começou. O que não pode é mudar de gênero para ficar sintonizada com o grau do mundo.
Em sua essência teocrática, o mundo é que deveria estar sintonizado com ela. Para dar um exemplo grosseiro: dificilmente num pagode suburbano poder-se-ia tocar os "Concertos de Brandemburgo". Evidente que, no grau, um músico habilidoso poderia fazer um arranjo suportável aos ouvidos dos pagodeiros. Mas não seria a mesma coisa.


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