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CARLOS HEITOR CONY
Que sociedade?
RIO DE JANEIRO - Não sei não, mas, pelo que se vê e se ouve por aí, a impressão é a de que o Estado não mais
representa o povo. A constatação foi
feita, recentemente, por Mauro Santayana, no "JB". E ele disse mais: o
Estado é uma empresa em falência
com os sócios disputando o que resta.
De uma forma menos lúcida, o
mesmo pensamento rola em editoriais, em colunas -especializadas ou
não-, em debates e em mesas redondas na TV, onde nem mais aparece a mesa, que, redonda ou quadrada, foi abolida pelos cenógrafos.
A classe política está dando excelentes motivos para a sua satanização. Segundo alguns, ela entrou em
choque com a sociedade. Concordo
com o atual repúdio que dedicamos
aos políticos em geral. Contudo me
recuso a crer que a sociedade seja esse
anjinho imaculado sob cujas asas nos
abrigamos e nos damos o direito de
xingar aqueles que estão fora dela.
É moda encher a boca com a palavra "sociedade" como expressão máxima da moral, do patriotismo, de todas as virtudes e bons predicados. A
começar pelo simples fato de que, direta ou indiretamente, ela cria e
mantém a classe política. Depois,
convenhamos, mesmo abstraindo tudo o que se entende como "classe política", o que sobra da sociedade não
é flor que se cheire. Não é uma vestal,
dona da verdade e da compostura.
Dentro dela, de suas múltiplas comportas, ela é injusta, discriminatória,
violenta e... corrupta também, a seu
modo e circunstância.
Lembro Antônio Callado na entrevista que deu à Folha dois dias antes
de morrer, em 1997, aos 80 anos.
Amargurado, ele dizia que faltava à
sociedade uma âncora que a amarrasse a um ponto que a livrasse, primeiro, de andar à deriva (como está
acontecendo); em seguida, uma vez
fixada em determinados valores, pudesse construir uma comunidade humana menos egoísta, menos narcisista e mais solidária.
Minhas homenagens ao Mauro e,
como sempre, ao Callado.
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