São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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OBSCURANTISMO FATAL

O obscurantismo mais uma vez triunfou sobre a ciência. A poliomielite, doença que estava prestes a ser erradicada do planeta, voltou a atacar em vários países africanos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou nesta semana um sombrio comunicado alertando para o fato de que os casos de pólio registrados neste ano aumentaram cinco vezes nas regiões oeste e central do continente em comparação com igual período de 2003.
Análise das linhagens do vírus apontam para a região de Kano, na Nigéria, como o epicentro do atual ressurgência da doença. Foi justamente no Estado de Kano que autoridades religiosas boicotaram as várias campanhas de vacinação capitaneadas pela OMS. Com base em rumores de que a vacina causava infertilidade, clérigos conseguiram com que as autoridades estaduais proibissem a campanha. Alegavam que tudo fazia parte de um complô norte-americano para tornar as mulheres muçulmanas inférteis. Pregadores islâmicos mais radicais são contra todas as vacinas, por considerá-las não-islâmicas -se Deus quiser que você morra, você morrerá; se Ele não quiser, você não morrerá.
A proibição foi formalmente levantada, mas até agora a OMS não conseguiu voltar a vacinar crianças em Kano. E o vírus vai se espalhando rapidamente pelo continente. Dez países que haviam conseguido livrar-se da doença tornaram a registrar casos. Provoca especial inquietação a erupção da moléstia na região de Darfur, no Sudão. Lá, uma sórdida campanha de limpeza étnica colocou milhões de pessoas sob condições precárias, o que favorece enormemente a disseminação do vírus.
O saldo é muito ruim. Agora, não só a meta de eliminar a pólio do planeta até o início do próximo ano está ameaçada, como a doença que se encontrava próxima da extinção voltou com força a infectar, aleijar e matar. A religião, uma instituição altamente respeitável, não deveria dar guarida a boatos que conspiram contra a vida.


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