|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
O absurdo vira bom senso
SÃO PAULO - O juiz de Taubaté (interior de São Paulo) Carlos Eduardo
Reis de Oliveira acaba de dar validade jurídica à falência do Estado brasileiro ao mandar o Unibanco contratar seguranças particulares se quiser ter de volta área invadida pelos
sem-terra.
Na teoria, a sentença é um absurdo
total. Na prática, como ensinou nesta
Folha mestre Walter Ceneviva, o juiz
está apenas "tendo olhos para a realidade". Explica Ceneviva: "Em tese, a
garantia da propriedade, que é um
direito inviolável, cabe ao Estado.
Porém o juiz reconhece que o Estado
não tem condição para isso. Então,
para evitar que fique nesse vai-e-vem
que sobrecarrega o Judiciário, decide
uma solução possível".
De fato, ninguém de bom senso será
capaz de discordar do juiz Oliveira
quando ele diz que não lhe parece
"razoável e adequado ficar a todo
momento tirando policiais da rua
para cumprir uma reintegração de
posse e, assim, privar a população do
trabalho da polícia".
Na prática, o juiz de Taubaté está
apenas oficializando no campo o que
já existe nas cidades: se alguém tentar invadir uma agência do Unibanco (ou de qualquer outro banco), será
repelido não pelos agentes do Estado,
mas por seguranças privados.
Ninguém, hoje em dia, contesta essa privatização da segurança.
Não quer dizer, por isso, que a sociedade deva se conformar com o
bom senso demonstrado pelo juiz de
Taubaté. Conformar-se com absurdos teóricos, como a privatização da
segurança que deveria ser pública, é
a fonte de novos absurdos.
A sociedade brasileira foi se habituando, pouco a pouco, à impotência
ou à incompetência -ou ambas-
do poder público para controlar a criminalidade e a violência. Hoje, ninguém mais discute o conselho de não
reagir que a polícia dá a todos os que
estão tendo violado o seu "inviolável"
direito de propriedade em caso de assalto, por exemplo.
Os brasileiros fomos cedendo cidadania a tal ponto que a Justiça, agora, sanciona a cessão. O absurdo virou bom senso.
Texto Anterior: Editoriais: OBSCURANTISMO FATAL Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: Militares à deriva Índice
|