São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

O absurdo vira bom senso

SÃO PAULO - O juiz de Taubaté (interior de São Paulo) Carlos Eduardo Reis de Oliveira acaba de dar validade jurídica à falência do Estado brasileiro ao mandar o Unibanco contratar seguranças particulares se quiser ter de volta área invadida pelos sem-terra.
Na teoria, a sentença é um absurdo total. Na prática, como ensinou nesta Folha mestre Walter Ceneviva, o juiz está apenas "tendo olhos para a realidade". Explica Ceneviva: "Em tese, a garantia da propriedade, que é um direito inviolável, cabe ao Estado. Porém o juiz reconhece que o Estado não tem condição para isso. Então, para evitar que fique nesse vai-e-vem que sobrecarrega o Judiciário, decide uma solução possível".
De fato, ninguém de bom senso será capaz de discordar do juiz Oliveira quando ele diz que não lhe parece "razoável e adequado ficar a todo momento tirando policiais da rua para cumprir uma reintegração de posse e, assim, privar a população do trabalho da polícia".
Na prática, o juiz de Taubaté está apenas oficializando no campo o que já existe nas cidades: se alguém tentar invadir uma agência do Unibanco (ou de qualquer outro banco), será repelido não pelos agentes do Estado, mas por seguranças privados.
Ninguém, hoje em dia, contesta essa privatização da segurança.
Não quer dizer, por isso, que a sociedade deva se conformar com o bom senso demonstrado pelo juiz de Taubaté. Conformar-se com absurdos teóricos, como a privatização da segurança que deveria ser pública, é a fonte de novos absurdos.
A sociedade brasileira foi se habituando, pouco a pouco, à impotência ou à incompetência -ou ambas- do poder público para controlar a criminalidade e a violência. Hoje, ninguém mais discute o conselho de não reagir que a polícia dá a todos os que estão tendo violado o seu "inviolável" direito de propriedade em caso de assalto, por exemplo.
Os brasileiros fomos cedendo cidadania a tal ponto que a Justiça, agora, sanciona a cessão. O absurdo virou bom senso.


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