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CARLOS HEITOR CONY
O palanque e o púlpito
RIO DE JANEIRO - Num programa na TV, mesmo contra a vontade do
partido, Brizola quis que eu desse um
depoimento. Tanto o PDT como eu
próprio argumentamos contra, nunca me filiei a partido nenhum e nada
entendo de política. Brizola insistiu:
"Diga que eu gosto de você e que você
gosta de mim". O deputado Neiva
Moreira, que coordenava a campanha, topou.
Quiseram cortar meu depoimento,
que sobreviveu na edição final. Disse
pouca e pobre coisa: Brizola deixara
de ser político, tornara-se uma espécie de místico, de profeta ambulante,
desses que deixam crescer a barba,
empunham um bastão e vão pelas estradas ou ficam parados na esquina,
pedindo que todos se entendam, que
todos tenham um prato de comida,
que tenham um teto, que os molequinhos de rua freqüentem uma escola
de graça e, no fim da tarde, alimentados, de banhozinho tomado, voltem
para casa.
No seu segundo governo no Estado
do Rio de Janeiro, deixou a administração rolar, preferia gastar uma tarde inteira contando como um gaúcho
faz isso ou deixa de fazer aquilo, perdeu votos e aliados, perdeu quase tudo, mas nunca se perdeu: esqueceu
que estava num palanque, achava
que estava num púlpito.
Maria Vitória Benevides lembrou
seu primeiro encontro com Brizola.
Ela vinha da feira e Brizola, que vinha do exílio, comeu-lhe as jabuticabas e ainda levou algumas para dona
Neusa, que ficara no hotel. Numa
viagem aérea, saiu de seu lugar e veio
sentar a meu lado, falou a viagem toda, contando histórias de um parente
meu que, fugindo da polícia, se refugiara na fazenda onde o menino Leonel tomava conta do gado.
Quando a comissária distribuiu
aquela caixinha com o lanche, eu recusei, mas Brizola ficou com ela. E
explicou: "Vou almoçar com o Zé
Dirceu (que o esperava no aeroporto). É bom levar um reforço".
Foi-se um romântico que infelizmente era político.
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