São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O palanque e o púlpito

RIO DE JANEIRO - Num programa na TV, mesmo contra a vontade do partido, Brizola quis que eu desse um depoimento. Tanto o PDT como eu próprio argumentamos contra, nunca me filiei a partido nenhum e nada entendo de política. Brizola insistiu: "Diga que eu gosto de você e que você gosta de mim". O deputado Neiva Moreira, que coordenava a campanha, topou.
Quiseram cortar meu depoimento, que sobreviveu na edição final. Disse pouca e pobre coisa: Brizola deixara de ser político, tornara-se uma espécie de místico, de profeta ambulante, desses que deixam crescer a barba, empunham um bastão e vão pelas estradas ou ficam parados na esquina, pedindo que todos se entendam, que todos tenham um prato de comida, que tenham um teto, que os molequinhos de rua freqüentem uma escola de graça e, no fim da tarde, alimentados, de banhozinho tomado, voltem para casa.
No seu segundo governo no Estado do Rio de Janeiro, deixou a administração rolar, preferia gastar uma tarde inteira contando como um gaúcho faz isso ou deixa de fazer aquilo, perdeu votos e aliados, perdeu quase tudo, mas nunca se perdeu: esqueceu que estava num palanque, achava que estava num púlpito.
Maria Vitória Benevides lembrou seu primeiro encontro com Brizola. Ela vinha da feira e Brizola, que vinha do exílio, comeu-lhe as jabuticabas e ainda levou algumas para dona Neusa, que ficara no hotel. Numa viagem aérea, saiu de seu lugar e veio sentar a meu lado, falou a viagem toda, contando histórias de um parente meu que, fugindo da polícia, se refugiara na fazenda onde o menino Leonel tomava conta do gado.
Quando a comissária distribuiu aquela caixinha com o lanche, eu recusei, mas Brizola ficou com ela. E explicou: "Vou almoçar com o Zé Dirceu (que o esperava no aeroporto). É bom levar um reforço".
Foi-se um romântico que infelizmente era político.


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