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CLÓVIS ROSSI
Uma ética curiosa
SÃO PAULO - Um leitor manda, logo cedo, um e-mail para dizer que Wanderley Luxemburgo, o técnico da seleção de futebol, tornou-se bem brasileiro ao ser flagrado como sonegador
de imposto, crime que acabou admitindo anteontem.
O comentário cáustico é uma injustiça com a maior parte dos brasileiros, que nem sequer tem renda para
pagar Imposto de Renda. Mas é bem
um retrato de substancial fatia da elite tupiniquim, que faz da sonegação
de impostos uma espécie de esporte
nacional, talvez mais popular do que
o próprio futebol.
O revelador é que Luxemburgo resolveu admitir a sonegação depois de
ter sido acusado de beneficiar-se financeiramente com transações de
compra e venda de jogadores, pecado
que nega. Na cabeça dele, sonegação
parece ser um delito menor.
Ou, posto de outra forma, lesar os
cofres públicos, por meio da sonegação, é menos grave do que violar um
código de conduta não escrito que determina que treinadores não devem
ganhar dinheiro em cima da compra
ou venda de jogadores por eles recomendadas.
Note-se que, nesse caso, não há exatamente prejuízo financeiro para as
partes envolvidas. Um jogador não
valerá mais ou menos se o técnico receber comissão na sua transação. Logo, o clube não gastará mais.
Já na sonegação, há evidentes prejuízos para o conjunto da sociedade.
Mas, aos olhos de Luxemburgo, prejudicar o erário vale; o que não vale é
violar o código implícito da sua profissão.
É um curioso sentido da ética, que,
aliás, permeia boa parte da sociedade, em especial o mundo político.
Trair os seus é pecado grave, tão
inadmissível que é preferível confessar um crime a admitir o pecado.
Mas prejudicar a sociedade em geral
parece tolerável, certamente porque
pouca gente reclama. A política funciona mais ou menos assim no Brasil.
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