São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES


O Brasil deveria adotar a pena de morte?

SIM

Quando a impunidade elimina o medo

FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES
INFELIZMENTE , a humanidade ainda não encontrou um substitutivo perfeito para o medo, de modo a conter o ser humano nas suas piores tendências. Manipulações genéticas e bioquímicas no cérebro -realmente "mudar o homem por dentro"- ainda são um sonho da área científica.
A educação, é certo, pode muito no sentido de prevenir a criminalidade, mas não é um remédio infalível, tanto que, mesmo os com diploma superior, vez por outra -contando com a impunidade-, matam, desviam dinheiro público e podem praticar todos os crimes previstos na legislação, exceto, provavelmente, o "furto famélico".
Este, por desnecessário. Partindo dessa constatação, surge naturalmente a pergunta: "E se o medo desapareceu totalmente por causa da sensação de impunidade?". É o que acontece hoje no Brasil, notadamente com chefes do tráfico de entorpecentes que, presos e condenados a mais de cem anos de reclusão, sentem que não há mais nada a perder. Não há o que temer pois não pretendem viver 300 anos. Como reais detentores de direitos humanos (nada a opor), sabem que, mandando matar pessoas, o pior que lhes pode ocorrer é a sujeição ao RDD (Regime Disciplinar Diferenciado).
O que significa o RDD, em termos de intimidação? Isolamento em uma cela individual (um alívio em presídios superlotados); uma visita semanal por duas horas (possível visita íntima), com máximo de dois adultos e menores em número sem limite; banho de sol com duração mínima de uma hora (pode ser de duas); e o direito de ler livros e, talvez, outras coisas.
Enfim, nada que se pareça com as masmorras de antigamente, regime de pão e água. Não estou dizendo aqui que tais presos devam suportar condições subumanas. Apenas esclareço ao leitor que o RDD não tem poder intimidativo suficiente para impedir que o recluso se sinta tolhido no desejo de mandar matar pessoas. E se o RDD visa apenas isolar o chefe poderoso, o objetivo é risível, pois as ordens podem ser dadas às pessoas que o visitam e, em tese, a seus procuradores judiciais (se não obedecerem, também podem morrer).
A proibição de celulares para presos é uma meta, não uma realidade. Não é factível examinar cada decímetro quadrado das toneladas de alimentos que chegam todos os dias em caminhões. E consta que há celulares que independem de torres de transmissão. A comunicação é feita por satélite.
Como dinheiro não é problema para o tráfico, seus líderes podem sempre dispor da última tecnologia.
Como se vê, não há mais nenhum "contra-estímulo" legal que iniba os grandes chefes do crime organizado já condenados em regime fechado. Fica ao exclusivo critério deles decidir se matam, ou não, quem os contrarie. Um deles, o mais conhecido, chegou a dizer, em entrevista difundida na internet, que podia matar policiais sem susto porque eles não podiam fazer o mesmo, pois isso seria ilegal. É, assim, uma guerra declarada. Uma guerra especial: em toda guerra, cada país tem o "direito" de matar o inimigo; nesse particular conflito entre o crime organizado e o Estado brasileiro, somente o primeiro pode matar.
Não se alegue que a iniciativa privada poderia criar presídios com total isolamento. Isso seria impossível, porque inconstitucional. E empresas que administram cadeias não aceitam presos superperigosos.
Nossa Constituição proíbe a pena de morte, exceto na guerra. "Guerra" já temos. E cláusulas pétreas podem ser alteradas com uma Assembléia Constituinte, algo perfeitamente factível, embora trabalhoso, pois o povo é o verdadeiro soberano, não estando para sempre escravizado pelo que outra geração definiu como imutável.
Uma alternativa seria abreviar a saída dos chefões do crime para continuarem em paz com seus "negócios", matando concorrentes e consumidores que devem dinheiro. A vida continuaria não valendo nada no Brasil.


FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES , 74, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, é membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Academia de Ciência de Nova York.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
José Carlos Dias: Uma pena sem sentido

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.