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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deveria adotar a pena de morte?
SIM
Quando a impunidade elimina o medo
FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES
INFELIZMENTE , a humanidade
ainda não encontrou um substitutivo perfeito para o medo, de modo
a conter o ser humano nas suas piores
tendências. Manipulações genéticas e
bioquímicas no cérebro -realmente
"mudar o homem por dentro"- ainda
são um sonho da área científica.
A educação, é certo, pode muito no
sentido de prevenir a criminalidade,
mas não é um remédio infalível, tanto
que, mesmo os com diploma superior,
vez por outra -contando com a impunidade-, matam, desviam dinheiro público e podem praticar todos os
crimes previstos na legislação, exceto,
provavelmente, o "furto famélico".
Este, por desnecessário.
Partindo dessa constatação, surge
naturalmente a pergunta: "E se o medo desapareceu totalmente por causa
da sensação de impunidade?".
É o que acontece hoje no Brasil, notadamente com chefes do tráfico de
entorpecentes que, presos e condenados a mais de cem anos de reclusão,
sentem que não há mais nada a perder. Não há o que temer pois não pretendem viver 300 anos. Como reais
detentores de direitos humanos (nada a opor), sabem que, mandando matar pessoas, o pior que lhes pode ocorrer é a sujeição ao RDD (Regime Disciplinar Diferenciado).
O que significa o RDD, em termos
de intimidação? Isolamento em uma
cela individual (um alívio em presídios superlotados); uma visita semanal por duas horas (possível visita íntima), com máximo de dois adultos e
menores em número sem limite; banho de sol com duração mínima de
uma hora (pode ser de duas); e o direito de ler livros e, talvez, outras coisas.
Enfim, nada que se pareça com as
masmorras de antigamente, regime
de pão e água. Não estou dizendo aqui
que tais presos devam suportar condições subumanas. Apenas esclareço
ao leitor que o RDD não tem poder intimidativo suficiente para impedir
que o recluso se sinta tolhido no desejo de mandar matar pessoas. E se o
RDD visa apenas isolar o chefe poderoso, o objetivo é risível, pois as ordens podem ser dadas às pessoas que
o visitam e, em tese, a seus procuradores judiciais (se não obedecerem,
também podem morrer).
A proibição de celulares para presos é uma meta, não uma realidade.
Não é factível examinar cada decímetro quadrado das toneladas de alimentos que chegam todos os dias em
caminhões. E consta que há celulares
que independem de torres de transmissão. A comunicação é feita por satélite.
Como dinheiro não é problema
para o tráfico, seus líderes podem
sempre dispor da última tecnologia.
Como se vê, não há mais nenhum
"contra-estímulo" legal que iniba os
grandes chefes do crime organizado
já condenados em regime fechado. Fica ao exclusivo critério deles decidir
se matam, ou não, quem os contrarie.
Um deles, o mais conhecido, chegou a dizer, em entrevista difundida
na internet, que podia matar policiais
sem susto porque eles não podiam fazer o mesmo, pois isso seria ilegal. É,
assim, uma guerra declarada. Uma
guerra especial: em toda guerra, cada
país tem o "direito" de matar o inimigo; nesse particular conflito entre o
crime organizado e o Estado brasileiro, somente o primeiro pode matar.
Não se alegue que a iniciativa privada poderia criar presídios com total
isolamento. Isso seria impossível,
porque inconstitucional. E empresas
que administram cadeias não aceitam
presos superperigosos.
Nossa Constituição proíbe a pena
de morte, exceto na guerra. "Guerra"
já temos. E cláusulas pétreas podem
ser alteradas com uma Assembléia
Constituinte, algo perfeitamente factível, embora trabalhoso, pois o povo
é o verdadeiro soberano, não estando
para sempre escravizado pelo que outra geração definiu como imutável.
Uma alternativa seria abreviar a
saída dos chefões do crime para continuarem em paz com seus "negócios",
matando concorrentes e consumidores que devem dinheiro. A vida continuaria não valendo nada no Brasil.
FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES , 74, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo,
é membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e da
Academia de Ciência de Nova York.
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