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RUY CASTRO
O pé não esquece
RIO DE JANEIRO - Há dez anos,
vi Octavio de Moraes na praia do
Diabo, no Arpoador, de papo com
um amigo. Octavio, cor de mogno,
já tinha 70 e tantos anos. Era ex-craque do Botafogo, arquiteto aposentado e filho da cronista Eneida,
autora do definitivo "História do
Carnaval Carioca". De repente,
uma bola de frescobol rolou a seus
pés, atirada por um rapaz que disputava uma partida a 50 ou 60 metros dali. Os jovens pediram que ele
a devolvesse.
Octavio nem respondeu. Enquanto conversava, fez um montinho de areia com o pé descalço.
Ajeitou a bolinha e, com um chute
de três dedos, jogou-a na raquete de
um dos garotos, que mal teve de esticar o braço. E reatou o papo com o
amigo como se não tivesse feito nada demais. Estupefato, concluí: o
sujeito envelhece e suas pernas já
não aguentam correr, mas há coisas
que o pé não esquece. Uma delas,
colocar uma bola, mesmo que de
frescobol, a 50 ou 60 metros, em cima de um lenço, se preciso for.
Em sua breve carreira no futebol,
Octavio fora artilheiro e campeão
carioca pelo Botafogo em 1948 e
sul-americano pelo Brasil em 1949.
Pouco depois, trocou o gramado pela prancheta e pela praia. Certa vez
em Copacabana, nos anos 50, para
driblar a proibição de jogar pelada
na areia, ajudou a inventar nada
menos que o futivôlei. Belo currículo. Mas, se tantos o invejavam naquela época, era por namorar a cantora Elizeth Cardoso, admirada não
apenas pela voz.
Em 2005, ouvi-o muitas vezes sobre Garrincha para meu livro "Estrela Solitária". Octavio não chegara a jogar com Garrincha, mas conhecia como ninguém a alma do
Botafogo, no fundo a dele próprio.
Morreu na semana passada no
Rio, aos 86 anos. Não tinha poupança, nem seguro, nem plano de saúde. Mas tinha muitos amigos, que
não o esqueceram e foram com ele
até o fim.
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