|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Lévi-Strauss a dois
RIO DE JANEIRO - Claude Lévi-Strauss, o antropólogo francês, está
fazendo 100 anos. Em 1935, ele era
um jovem marxista com uma visão
mecânica da vida, como tantos. Mas
veio para o Brasil, embrenhou-se
no mato com os nossos bororos e
nambiquaras, comeu do cru e do cozido, e isso abalou suas certezas.
Em 1955, a experiência rendeu-lhe
um livro, "Tristes Trópicos".
Nos anos 50, Lévi-Strauss já acusava o homem de ser o vilão da ecologia, quando os dicionários ainda
não tinham chegado a um acordo
nem sobre o significado da palavra.
Contrariando o espírito da época,
também nunca aceitou a idéia de
que, com a alfabetização em massa,
o progresso da humanidade seria
fatal -quem éramos nós para sair
alfabetizando populações que viviam tão bem sem o alfabeto?
Por defender a necessidade de
preservar as identidades étnicas e
culturais, combateu a idéia da globalização ainda no berço. Para ele, a
globalização conduziria à uniformização, à anulação das diferenças -e
o fim das diferenças levaria à indiferença, que é uma das piores pragas
que poderiam nos afligir. Pois é o
que está acontecendo, e bem que
ele avisou.
Minha geração tem vários motivos para ser grata a Lévi-Strauss.
Em 1968, um pretexto infalível para
um rapaz e uma moça se encontrarem era ler e discutir o último livro
do autor da moda. Eram grandes
noites, que, de fato, começavam pela leitura de um capítulo do livro,
geralmente o primeiro. Mas nunca
se chegava ao segundo.
Naquele ano, o campeão disparado de tais leituras era "Eros e Civilização", de Herbert Marcuse. Mas,
então, "Tristes Trópicos" saiu no
Brasil, e Lévi-Strauss tomou-lhe o
lugar. Eu tinha 20 anos, morava no
Solar da Fossa, em Botafogo, e era
incrível como não se passava uma
noite sem uma discussão a dois sobre Lévi-Strauss.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: A crise, Lula e a realidade Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Falta de memória Índice
|