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CLÓVIS ROSSI
Fome de competência
SÃO PAULO - Governo tira comida da boca das criancinhas do Fome Zero e doa ao mercado financeiro. Se a
Folha fosse chegada ao sensacionalismo, poderia perfeitamente ter publicado uma manchete como essa
justamente na sua edição natalina, a
partir do texto de Marta Salomon no
qual se mostra que recursos doados
ao Fome Zero não foram usados, na
totalidade, com essa finalidade.
É uma das raras ocasiões, talvez a
única, em que o sensacionalismo seria louvável.
Não se trata apenas de um programa de governo que não se executa
corretamente. Não se trata apenas de
uma promessa de campanha que
não é levada tão a sério como deveria. Trata-se de uma obsessão de
Luiz Inácio Lula da Silva, expressa
uma e outra vez ao longo de toda a
sua vida pública: fazer o impossível
para que todo brasileiro pudesse comer três vezes ao dia.
Que faltasse dinheiro para cumprir
a promessa, entender-se-ia. Falta dinheiro para quase tudo no Brasil
(menos, é claro, para pagar os sagrados juros da dívida). Mas que, em
havendo dinheiro, o governo não
consiga gastar tudo, aí já é um escândalo, uma demonstração de incompetência sem paralelo.
De quebra, o governo consegue desmoralizar duas outras coisas: a crença dos brasileiros na solidariedade e
as propostas do próprio presidente de
criação de um fundo internacional
contra a fome. Quem é que vai levar
a sério um fundo desses, se o governo
que o está propondo não consegue
implementá-lo devidamente no seu
próprio país?
E quem é que vai se sentir estimulado a fazer novas doações ao Fome
Zero se os recursos não chegam, na
totalidade, aos destinatários?
Para completar, o Mesa (Ministério da Segurança Alimentar), apanhado no erro, tem como primeira
reação a mentira: diz que sim, todo o
dinheiro foi usado. Ante a evidência
de que não foi, diz que vai voltar no
Orçamento do ano que vem para os
fins a que se destinaria.
Vista a performance de 2003, quem
é que pode acreditar?
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