|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Um menino chamado Sean
ESTA É UMA história que não
se enquadra naquelas comoventes páginas de Dickens, da
infância abandonada, dos meninos
sem destino nas calçadas de Londres, páginas que me levavam na
mocidade às lágrimas pela força
do grande romancista de "David
Copperfield".
Nem igual à dos meninos da
Candelária, que até hoje nos traz a
amargura do massacre daquela
noite de tragédia do Rio.
O tema sobre que reflito é um
desses dramas da sociedade burguesa, moderna, em que se juntam
países distantes, a volúpia do dinheiro, o sonho americano, a realidade brasileira e uma mãe morta,
num parto, de hemorragia, também incompreensível num hospital de uma grande metrópole.
Bruna Bianchi, uma moça carioca, sonha aproveitar o gosto de viajar, andar por este mundo fascinante das cores da televisão e da
imaginação de todos os objetos de
consumo.
Depois de um mestrado em Milão, passa pelos Estados Unidos. Lá
encontra um playboy de boa conversa que lhe diz ser ela a garota de
Ipanema da canção de Vinícius, e
desse amor sem sombras e somente iluminado pela felicidade das luzes que invadem as noites da
Broadway, devem ter desfrutado
da beleza e do prazer do jazz, do
rock, do rap, do reggae, até se fixarem em Nova Jersey, onde existe
uma colônia brasileira grande.
Do amor nasce um filho, Sean (o
som de "sim" em português), e em
torno dele dizem que prospera
uma intensa felicidade. É só ficção.
Nessa união acabaram a ternura e a
bonança. Quem sabe o que sofria
Bruna? Ela disfarça e vem descansar no Brasil, no aconchego da família, nas praias do Rio.
Com sua morte, fica Sean vítima
do pai, que aceita US$ 150 mil para
afastar os avós da disputa judicial.
Mas, agora, na sedução da notoriedade, transforma-se o playboy
em pai extremoso, que quer o filho
de volta. Nessa disputa do caso,
Sean vê-se objeto de uma luta entre pátrias, a brasileira e a americana, entre famílias de lá e de cá, bom
tema para sensacionalismo. Organizam-se torcidas, envolvem-se
até presidentes, e o caso termina,
em meio à crise internacional, no
colo do encontro Lula e Obama.
E o Sean, filho de David, não do
rei de Israel que teve muitos filhos,
entre eles Absalão, que tentou derrubar o pai e foi morto por Joab,
mas de um David sem Deus.
A Justiça está com o pepino. A
daqui e a dos EUA. E ninguém pensa qual é o julgamento do pequeno
Sean. Creio que a ele cabe escolher
a sua felicidade, o seu destino e o
seu país. Juízes à parte, o drama
humano dessa criança é maior que
a disputa, na qual o dinheiro substitui a ternura tornada impossível
pela morte de sua mãe.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Editoriais: Bônus alto e notas baixas
Próximo Texto: Londres - Clóvis Rossi: Aquelas notas verdes Índice
|