São Paulo, sexta-feira, 27 de março de 2009

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JOSÉ SARNEY

Um menino chamado Sean

ESTA É UMA história que não se enquadra naquelas comoventes páginas de Dickens, da infância abandonada, dos meninos sem destino nas calçadas de Londres, páginas que me levavam na mocidade às lágrimas pela força do grande romancista de "David Copperfield".
Nem igual à dos meninos da Candelária, que até hoje nos traz a amargura do massacre daquela noite de tragédia do Rio. O tema sobre que reflito é um desses dramas da sociedade burguesa, moderna, em que se juntam países distantes, a volúpia do dinheiro, o sonho americano, a realidade brasileira e uma mãe morta, num parto, de hemorragia, também incompreensível num hospital de uma grande metrópole. Bruna Bianchi, uma moça carioca, sonha aproveitar o gosto de viajar, andar por este mundo fascinante das cores da televisão e da imaginação de todos os objetos de consumo.
Depois de um mestrado em Milão, passa pelos Estados Unidos. Lá encontra um playboy de boa conversa que lhe diz ser ela a garota de Ipanema da canção de Vinícius, e desse amor sem sombras e somente iluminado pela felicidade das luzes que invadem as noites da Broadway, devem ter desfrutado da beleza e do prazer do jazz, do rock, do rap, do reggae, até se fixarem em Nova Jersey, onde existe uma colônia brasileira grande.
Do amor nasce um filho, Sean (o som de "sim" em português), e em torno dele dizem que prospera uma intensa felicidade. É só ficção. Nessa união acabaram a ternura e a bonança. Quem sabe o que sofria Bruna? Ela disfarça e vem descansar no Brasil, no aconchego da família, nas praias do Rio. Com sua morte, fica Sean vítima do pai, que aceita US$ 150 mil para afastar os avós da disputa judicial.
Mas, agora, na sedução da notoriedade, transforma-se o playboy em pai extremoso, que quer o filho de volta. Nessa disputa do caso, Sean vê-se objeto de uma luta entre pátrias, a brasileira e a americana, entre famílias de lá e de cá, bom tema para sensacionalismo. Organizam-se torcidas, envolvem-se até presidentes, e o caso termina, em meio à crise internacional, no colo do encontro Lula e Obama.
E o Sean, filho de David, não do rei de Israel que teve muitos filhos, entre eles Absalão, que tentou derrubar o pai e foi morto por Joab, mas de um David sem Deus. A Justiça está com o pepino. A daqui e a dos EUA. E ninguém pensa qual é o julgamento do pequeno Sean. Creio que a ele cabe escolher a sua felicidade, o seu destino e o seu país. Juízes à parte, o drama humano dessa criança é maior que a disputa, na qual o dinheiro substitui a ternura tornada impossível pela morte de sua mãe.

jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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