São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Meia-sola, não. Modelo novo

JORGE BORNHAUSEN

Este país está cansado de repetir erros ou fingir que os corrige com soluções meia-sola. Há coisa mais patética e grotesca do que as tentativas do governo Lula de vestir o enxoval econômico do governo FHC, em tudo e por tudo medidas, estilo, tecidos, "aviamentos em geral" diferentes do que prometeu o PT?
No entanto o presidente da República e seus ministros parecem realizar números de mímica. Fingem que estão cantando, mexem os lábios, exageram nos gestos e expressões faciais, mas a voz que se ouve vem de uma gravação.
Daí a multiplicação de episódios como a triste derrota, na Câmara, do salário mínimo de R$ 275, que a oposição havia aprovado no Senado. Para o governo Lula, porém, o salário tem de ser de R$ 260 e nem mais um tostão, pois corresponde à fórmula gasta que encontraram nos porões do Ministério da Fazenda. E como não têm outra, usam-na servilmente.
A hora é de substituição do modelo econômico. É preciso atender o que a sociedade pediu nas eleições de 2002 e que o governo Lula não teve competência, vontade e coragem para cumprir. Talvez porque só trouxesse na bagagem propostas esquerdistas anacrônicas.


Já não é possível suportar a medíocre farmacopéia que só conhece o xarope dos juros altos e o purgante dos impostos crescentes


Mas não é verdade que só nos reste optar entre as duas alternativas com que se debate o PT: a herança recebida ou o caos dos absurdos que o PT levou 20 anos pregando. Nada disso. Há saídas além da estagnação econômica e do desemprego humilhante, de um lado, e da burocracia corrupta e da violência sangrenta do MST, do outro. Este é o momento de abandonar a fatalidade da ladainha binária e liberar a capacidade criativa de economistas e especialistas para que proponham um novo modelo.
Depois do inegável sucesso do Plano Real, reconheçamos, com humildade, que já não é possível suportar a medíocre farmacopéia que só conhece o xarope dos juros altos e o purgante dos impostos crescentes. Por que não apostar num projeto econômico novo, absolutamente novo, a partir de novos fundamentos e avaliações?
Ou alguém negará que foi a economia do governo FHC a grande vilã da campanha que elegeu o governo Lula? Que outra realidade repicava mais forte no apelo de "Muda Brasil!" da campanha petista do que a promessa de uma cambalhota radical na economia?
É verdade que, boquirroto, o próprio Lula já explicou que suas temidas promessas de ruptura nunca passaram de "bravatas" (ou falta de ética. Ou, mais precisamente, "estelionato eleitoral"?).
A economia não vive de palavras mágicas, como nas lendas das "Mil e Uma Noites". Ao chegarem ao poder, os petistas se renderam. Perceberam que seus bordões de comício não passavam de cacoetes anacrônicos, insuficientes para subverter a teoria econômica, e acharam que não havia alternativa. Mas há. E chegou a hora de encontrá-la.
Para começar, a teoria econômica não é a esfinge, ameaçando devorar os que tentem decifrá-la. Pelo contrário, é um estímulo à invenção, uma inibidora do charlatanismo. Em segundo lugar, já dispomos de equações e estatísticas que permitem trabalhar com modelos virtuais e testar opções com grande margem de segurança.
Temos a denúncia de sintomas preocupantes, como a febre alta do desemprego, a asfixia tributária das empresas, a insatisfação da sociedade. Conhecemos os pontos de estrangulamento decisivos, como a questão fiscal, com a insuportável e má distribuída carga de tributos. Não dá mais para contemporizar com a asnice do pensamento segundo o qual o equilíbrio das contas públicas está em aumentar a arrecadação, quando o xis do problema é a despesa.
Não podemos conviver com um pacto federativo constitucional que prevê duplicidade e até triplicidade de competências entre os seus entes (União, Estados e municípios), provocando enormes ralos pelos quais se desperdiça o dinheiro público. Nem conviver com 36 ministérios, sendo que o país não precisa de mais de 12. Ações elementares como a redução de despesas permitem baixar os tributos e, numa reação em cadeia, provocam o crescimento e o aumento de empregos.
O Brasil está na contramão da tendência universal da atração dos capitais, "que estarão onde os impostos forem mais baixos", como profetizou Jacques Attali no seu "Dicionário do Século XXI", prevendo que até os trabalhadores escolherão seu trabalho e onde morar "em função da opressão fiscal".
Estou propondo ao PFL e fui autorizado pelo partido a sondar especialistas e abrir formalmente os debates pela busca de um novo modelo econômico. Imagino uma proposta concreta, criativa, moderna, corajosa e ao mesmo tempo realista, que não viole a teoria econômica. Nem as leis da física e as lições da história, como prometia o PT. Mas que saiamos da atual acomodação medíocre em que vivemos atualmente, acuados, medrosos e com 12% de desempregados.
A elaboração desse novo modelo econômico adquiriu nos últimos dias a pressão da emergência, pois a perda de identidade do governo Lula, refletida na rejeição da popularidade do presidente e de seu partido, exige que a oposição se prepare muito seriamente para substituí-lo em 2007.

Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).


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