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TENDÊNCIAS/DEBATES
A pecuária é a maior inimiga da Amazônia?
SIM
O desmatamento é desnecessário
PAULO BARRETO
A AMAZÔNIA perdeu cerca de 70
milhões de hectares para o
desmatamento, uma área
equivalente à França. É preciso desmatar mais?
Para quem se importa com outras
espécies, o desmatamento é uma
agressão à vida. Por ano, na última década, tombou cerca de 1 bilhão de árvores e foram desalojados ou mortos
32 milhões de aves e 1 milhão de macacos, entre outras vítimas.
Quem deseja evitar tragédias climáticas para seus descendentes se
preocupa com as emissões dos gases
de efeito estufa decorrentes do desmatamento. A metade do "peso" de
uma árvore é carbono, e as queimadas
para limpar o solo após o desmatamento na região respondem por mais
de 50% das emissões brasileiras.
Porém, outros consideram o desmatamento indispensável para aumentar a produção agropecuária, que
gera renda, empregos e impostos. Assim, não surpreende que a imprensa
divulgue tantos conflitos entre ambientalistas e ruralistas.
A boa notícia é que esses conflitos
são superáveis. É possível dobrar ou
triplicar a produção agropecuária
brasileira sem derrubar árvores. Para
isso, segundo a Embrapa, seria necessário aumentar a produtividade das
áreas já desmatadas, principalmente
nos 100 milhões de hectares de pastos
degradados no país.
Então, como vencer a contradição
do fato de que é desnecessário desmatar, mas o desmatamento continua?
Para começar, é preciso entender para que e por que se desmata. Cerca de
75% da área desmatada na Amazônia
é ocupada com pastos para a pecuária
bovina -boa parte deles de baixa produtividade. Portanto, essa pecuária
que desmata sem necessidade é uma
inimiga a ser combatida.
As causas do desmatamento incluem falhas de políticas públicas e do
mercado. Geralmente, é mais barato e
mais lucrativo desmatar novas áreas
do que investir no aumento da produtividade das áreas já desmatadas. Isso
decorre, em grande parte, do fato de
que o Estado tem falhado em proteger as terras públicas, das quais muitos pecuaristas se apossaram gratuitamente. Por sua vez, a abundância da
terra gratuita desfavorece o investimento para aumentar a produtividade das áreas desmatadas.
Outra falha pública é a impunidade
dos crimes ambientais. Nem 5% do
valor total das multas é arrecadado.
A principal falha de mercado é o fato de que a conservação da floresta
-que produz benefícios coletivos, como a regulação climática e a proteção
da biodiversidade- não é remunerada. Além disso, a exigência dos consumidores por produtos de origem sustentável ainda é incipiente.
Portanto, para zerar o desmatamento, é preciso corrigir as falhas. Os
governos devem evitar a apropriação
das terras públicas, punir os crimes
ambientais e criar oportunidades para remunerar a conservação florestal.
Uma oportunidade para obter recursos para compensar a conservação
florestal é a negociação, em dezembro
deste ano, de um acordo global sobre
mudanças climáticas. Um dos temas é
a redução das emissões do desmatamento global, que contribui com cerca de 20% das emissões totais. Dado
que evitar desmatamento é uma das
opções mais baratas para evitar emissões, é plausível estabelecer um acordo pelo qual o Brasil seja compensado
pelo desmatamento evitado. O país
precisa aproveitar essa oportunidade.
Os representantes do povo devem
ser estimulados nessas ações. Embora entendam o problema e a direção a
seguir, precisam de força para vencer
as reações de quem perde no curto
prazo. Por exemplo, o presidente Lula, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e a senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Kátia
Abreu, têm declarado que é possível
aumentar a produção agropecuária
sem desmatamento. Além disso, em
2008, o governo federal tomou medidas corajosas contra o desmatamento. Mas as reações têm sido intensas.
Aqueles que desejam que seus descendentes possam se maravilhar com
a biodiversidade e não sofram com
catástrofes climáticas devem estimular e cobrar nossos representes -antes e após o voto. Além disso, é preciso
valorizar as marcas que respeitam a
natureza. É preciso lembrar que bichos, árvores e nossos descendentes
não votam nem vão ao mercado.
PAULO BARRETO , engenheiro florestal e mestre em
ciências florestais pela Universidade Yale (EUA), é pesquisador sênior do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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