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ELIANE CANTANHÊDE
O cúmulo da covardia
BRASÍLIA - Eu estava ontem caminhando em Higienópolis, simpático
bairro paulistano, quando topei com
um trecho da calçada em obras e tive
de fazer um desvio pela rua. Olhei, o
carro mais próximo estava bem longe, e fui. De repente, dois rapazes à
minha frente puseram as mãos na
cabeça -típico gesto diante de uma
tragédia. Virei para o lado a tempo
de ver, quase sentir, um carro branco
passando a centímetros de mim.
O motorista gritou da janela: "Quer
morrer?". Eu não quero morrer, mas
ele quer matar, porque jogou o carro
contra mim sem motivo. Não havia
carro na outra pista, nem buracos,
nada. Foi a violência pela violência.
Num segundo, ficou claro por que
atacam mendigos a pauladas ou
marretadas na cabeça. É o ódio social
aliado à sensação de poder, de força.
Uns jogam carros contra pessoas indefesas. Outros miram suas armas
justamente contra o lado mais fraco,
contra pessoas que foram abandonadas pelo Estado e pelas famílias, que
não têm teto, nem saúde, nem auto-estima, nem o que comer. Não faz
sentido. Ou faz?
O ato de barbárie extrapolou São
Paulo, fez escola em Pernambuco, virou questão nacional e nos faz refletir sobre onde vamos parar. Quando
o Estado não faz sua parte, a elite só
pensa no próprio umbigo e a classe
média se digladia por migalhas públicas, o fosso social se aprofunda. E
chega-se a isso: joga-se o carro contra
o pedestre, mata-se por matar o mais
miserável dos miseráveis.
Os seis mortos e as demais vítimas
da barbárie no coração da principal
cidade do mais importante Estado
brasileiro são um alerta. Se foram
"neonazistas", "skinheads" dessa ou
daquela família, ou uns loucos do
mal, é quase detalhe. O fundamental
é que o espírito nazista baixa quando as instituições falham e a desigualdade social é tanta e tal. Esse,
aliás, é o verdadeiro crime bárbaro.
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