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CARLOS HEITOR CONY
Cartão amarelo
RIO DE JANEIRO - O Senado
continua a oferecer um show da
condição humana, que, mesmo em
nível parlamentar, é o que conhecemos: feita de barro, sujeita aos mil
acidentes da carne e do espírito. O
bate boca feroz entre Eduardo Suplicy e Heráclito Fortes revela a tênue casca de civilização que todos
vestimos para suportarmos uns
aos outros.
Foi sem dúvida um espetáculo lamentável, na medida em que tentou
reavivar uma crise (também lamentável) que ocupou o noticiário e o
apetite de sangue, exigindo o "mata!
esfola!" cívico com o qual a turma
que se considera do bem tem saciada sua fome de moralidade.
O caso Sarney, para todos os efeitos, está encerrado. Lula não pode
governar sem o PMDB, e o PMDB,
até que surja nova liderança, é Sarney. Curiosamente, está sendo reeditada a dicotomia que prevaleceu
nos anos 80, com a dupla Sarney-Ulysses Guimarães. Embora do
mesmo partido, Sarney não tinha
ainda o som e a fúria do velho MDB,
que Ulysses encarnava historicamente. O jeito foi governar com ele.
Sem Ulysses, o governo de Sarney
não duraria o que durou. O que fez
de bom (transição democrática e
Constituinte) não teria sido feito.
Por mais estranho e ridículo que
pareça, a história agora se repete.
Para governar e emplacar um(a) sucessor(a), Lula precisa do PMDB,
precisa de Sarney.
Não adiantam as portas do inferno petista baterem contra a dupla.
Não prevalecerão -estou citando
um texto bíblico. A política tem
uma política que a própria política
desconhece.
Não adianta chorar nem tentar
expulsar os jogadores. Sem eles não
há jogo e todos acabam perdendo,
entrando em campo a tropa de choque, que aproveita a confusão para
uma volta ao passado, quando toda
a nação, quando todos nós vivíamos
ameaçados por um cartão amarelo.
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