São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

HAINSI GRALOW

Controle do tabaco, sim. Erradicação, não

O debate legítimo em torno da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, assinada por 192 países no âmbito das Nações Unidas, perde o foco quando extrapola o próprio enunciado do fórum, de controle, e parte para a solução radical e fantasiosa da erradicação da cultura do fumo.
A medida extrema, cuja gênese pode ser identificada na ausência dos fumicultores nos debates da convenção, atinge, em primeiro lugar, os produtores rurais que sobrevivem dessa cultura. Estende-se a diversos municípios do Sul do Brasil, assim como ao próprio país, atualmente o maior exportador mundial de fumo, produto que ocupa o segundo lugar na pauta de exportações do setor primário brasileiro, com divisas que atingem a casa de US$ 1 bilhão.


A atividade fumageira envolve uma cadeia responsável por cerca de 1 milhão de empregos diretos


A importância da atividade fumageira no país, cuja tradição se verifica nas armas da República, em que um ramo de folha de tabaco se entrelaça ao de guaraná, observa-se no número de fumicultores nos Estados do Sul, que nesta safra chegaram a 190.270. Cada um desses produtores retira do tabaco o próprio sustento e o de toda a família. Um hectare de fumo rende ao produtor rural R$ 11 mil, enquanto o plantio de um hectare de soja rende R$ 2.500. Podemos falar também do feijão (R$ 1.300 por hectare) e do milho (R$ 1.000 por hectare).
Essa é a realidade do pequeno produtor rural brasileiro, que parece ignorada em certas considerações que vêm sendo feitas em torno da cultura do fumo. Chegam a soar ingênuas afirmações, artigos e até matérias de jornal que pretendem apresentar como economicamente viáveis alternativas restritas a pequenos grupos de agricultores, que jamais se aplicariam à escala dos fumicultores brasileiros.
Para cultivar o fumo brasileiro, cuja qualidade é das mais apreciadas no mercado internacional, o produtor faz investimentos que também precisam ser levados em conta em qualquer proposta de substituição da cultura. Estamos prevendo a construção de 25 mil novas estufas de secagem de fumo, que se somarão às 167.090 existentes, um esforço considerável do produtor, que aposta no futuro da atividade para obter o retorno de seu investimento.
É preciso considerar ainda que a atividade fumageira vai além do produtor e envolve uma cadeia responsável por cerca de 1 milhão de empregos diretos. No ano passado, a lavoura empregou mais de 900 mil pessoas; a indústria respondeu por 40 mil postos de trabalho; e a contratação sazonal na época de colheita atingiu 190 mil pessoas, sem falar no 1,5 milhão de empregos indiretos gerados pela atividade.
A cultura do fumo no Brasil, é preciso salientar, desenvolve-se em pequenas propriedades, não superiores a 20 hectares, com papel determinante na fixação do homem ao campo e no desenvolvimento local sustentável. Pesquisa realizada pela nossa associação revelou que 88,4% dos fumicultores estão na atividade há mais de cinco anos, e 49% deles abandonariam o meio rural caso não pudessem plantar fumo.
Na sanha de tentar desqualificar a atividade, defensores da erradicação da cultura do fumo lançam mão de inverdades, como afirmar que os produtores utilizam pesadas cargas de agrotóxicos, revelando completo desconhecimento do que se passa no campo. A cultura do fumo hoje no Brasil é uma das que menos recorrem a agrotóxicos. Na última safra, os fumicultores usaram a média de 1,2 kg de ingrediente ativo por hectare, um dos níveis mais baixos em todo o mundo, mesmo considerando culturas de alimentos. Só para exemplificar, o café utiliza 1,6 kg/ha; a soja, 2,4 kg/ha; o algodão, mais de 3 kg/ha; sem falar no morango, invocado como alternativa ao tabaco, cujos volumes de uso de agrotóxicos são assustadores.
A cultura do fumo no Brasil é uma atividade rentável, exportadora e estratégica. Só com impostos, o governo arrecada R$ 6 bilhões. Em termos de exportação, são 600 toneladas embarcadas por ano, gerando US$ 1 bilhão em divisas. Será que um país como o nosso pode prescindir de uma atividade como essa?
É por isso que nós, fumicultores, posicionamo-nos contra a ratificação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, enquanto não existir um projeto claro, viável e brasileiro de alternativa a essa importante cultura. Nossa preocupação levou à formação de um novo grupo temático na Câmara Setorial do Fumo, que tem como objetivo acompanhar o dia-a-dia das discussões em torno dessa questão no Parlamento e contribuir com subsídios. Esperamos que desta vez, ao menos, os produtores sejam ouvidos.

Hainsi Gralow, 65, agricultor, é presidente da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil) e da Câmara Setorial do Fumo.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Claudio Vaz: Riscos, desafios e oportunidades

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.