|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A política econômica do governo Lula é antidesenvolvimentista?
SIM
O fim da ambigüidade
FERNANDO CARDIM
O desenvolvimento resulta da
conjugação de períodos de crescimento econômico prolongado, suficientes para superar certos patamares
mínimos de renda e riqueza, e de transformações sociais e institucionais que
conduzam a uma distribuição de renda
menos desigual, à modernização das
instituições e relações sociais e -por
que não?- a sistemas políticos em que
voz e influência sejam concedidas a todos os cidadãos.
O desenvolvimento é, portanto, um
fenômeno que vai além das fronteiras
do econômico, e apenas mestres com a
erudição e o fôlego intelectual de Celso
Furtado são capazes de propor teorias
suficientemente ricas para nos permitir
abordar o assunto.
Se desenvolvimento é mais do que
crescimento econômico, contudo, este
último é condição insubstituível para o
primeiro. Sem que a economia se expanda de forma sustentável, a sociedade
não alcança os níveis de renda que permitem o desenvolvimento nas outras
dimensões apontadas.
O crescimento econômico é um processo caracterizado fundamentalmente
pela expansão da capacidade produtiva
da sociedade. O estoque de capital deve
crescer, porém não apenas o capital físico, em máquinas e construções, mas
também a capacidade produtiva representada por uma força de trabalho qualificada e produtiva, pelo progresso técnico e aperfeiçoamento das instituições
e relações que regem os mercados.
Numa economia de mercado, a expansão do estoque de capital, em todas
as suas dimensões, depende primordialmente da decisão de empresários. A
acumulação de capital resulta principalmente das decisões de investimento do
empresariado dos setores produtivos,
dependendo de suas expectativas de
vender sua produção adicional com lucros que compensem a compra de novos equipamentos e o emprego de mais
trabalhadores. Não é possível perseguir
o crescimento no "longo prazo" se, no
"curto prazo", são adotadas políticas
que reprimem a demanda e removem o
incentivo a que o empresariado invista.
A política macroeconômica de Lula é
antidesenvolvimentista porque se dedica a estrangular a demanda através de
todos os instrumentos disponíveis. A
política monetária do governo (lembremo-nos: não existe a política monetária
do Banco Central; existe, sim, a política
monetária do governo federal, responsável, queira ou não, pelas ações do banco) visa impedir que a demanda cresça
acima de 3,5% ao ano, limite que o próprio governo julga intransponível sem
que se gerem pressões inflacionárias
inaceitáveis.
Ao impor um baixo teto para a expansão da demanda, a política impede que
as empresas acumulem os lucros necessários para financiar investimentos ou
que possam recorrer a crédito em termos compatíveis com a rentabilidade
esperada dos novos equipamentos.
Sua política fiscal é também negativa,
porque substitui o gasto em investimentos públicos, fundamentais para
gerar demanda em setores importantes
de nossa indústria, pela provisão de recursos para o serviço da dívida, a taxas
de juros insustentáveis, recursos estes
que dificilmente deixam a circulação financeira para se tornar demanda por
bens e serviços.
A política cambial, confessadamente,
não existe. O câmbio varia ao sabor da
política de juros do Banco Central, que,
por sua vez, recusa-se a reconhecer sua
responsabilidade nesse processo. Da
política monetária de juros altos resulta
a valorização do câmbio, deletéria para
nossa balança comercial, eventualmente interrompida por manifestações de
perplexidade do presidente da República, como ocorreu nesta semana.
Não é possível compensar os efeitos
dessa política com retórica de baixo alcance -como, infelizmente, até agora,
foram os acenos do governo na direção
de políticas industriais, por exemplo.
Panacéias recém-descobertas, como a
Lei de Falências ou, agora, o fim do direcionamento de crédito, são apenas isso
mesmo, panacéias. Basta olhar a experiência dos países que enfrentaram com
sucesso o desafio do desenvolvimento
para ver que, na melhor das hipóteses, o
efeito de algumas dessas panacéias será
marginal, enquanto outras poderão ser
francamente deletérias.
Muitos dos que apoiaram Lula em
2002 consolaram-se nesses últimos 23
meses dizendo que este era um "governo em disputa", que Lula fora forçado
pela "herança maldita" a adotar as políticas descritas. O próprio presidente sepultou essas ilusões nesta semana, com
sua enfática declaração: "Na política
econômica eu não mudo nada. A política econômica é essa e não tem volta. E
quem quiser contestar a política econômica comigo não terá vez para discutir".
De pelo menos uma crítica Lula certamente se livrou, a da ambigüidade que
marcava seu discurso até então.
Fernando J. Cardim de Carvalho é professor
titular do Instituto de Economia da UFRJ.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Roberto Padovani: Política econômica não é panacéia Índice
|