São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A política econômica do governo Lula é antidesenvolvimentista?

SIM

O fim da ambigüidade

FERNANDO CARDIM

O desenvolvimento resulta da conjugação de períodos de crescimento econômico prolongado, suficientes para superar certos patamares mínimos de renda e riqueza, e de transformações sociais e institucionais que conduzam a uma distribuição de renda menos desigual, à modernização das instituições e relações sociais e -por que não?- a sistemas políticos em que voz e influência sejam concedidas a todos os cidadãos.
O desenvolvimento é, portanto, um fenômeno que vai além das fronteiras do econômico, e apenas mestres com a erudição e o fôlego intelectual de Celso Furtado são capazes de propor teorias suficientemente ricas para nos permitir abordar o assunto.
Se desenvolvimento é mais do que crescimento econômico, contudo, este último é condição insubstituível para o primeiro. Sem que a economia se expanda de forma sustentável, a sociedade não alcança os níveis de renda que permitem o desenvolvimento nas outras dimensões apontadas.
O crescimento econômico é um processo caracterizado fundamentalmente pela expansão da capacidade produtiva da sociedade. O estoque de capital deve crescer, porém não apenas o capital físico, em máquinas e construções, mas também a capacidade produtiva representada por uma força de trabalho qualificada e produtiva, pelo progresso técnico e aperfeiçoamento das instituições e relações que regem os mercados.
Numa economia de mercado, a expansão do estoque de capital, em todas as suas dimensões, depende primordialmente da decisão de empresários. A acumulação de capital resulta principalmente das decisões de investimento do empresariado dos setores produtivos, dependendo de suas expectativas de vender sua produção adicional com lucros que compensem a compra de novos equipamentos e o emprego de mais trabalhadores. Não é possível perseguir o crescimento no "longo prazo" se, no "curto prazo", são adotadas políticas que reprimem a demanda e removem o incentivo a que o empresariado invista.
A política macroeconômica de Lula é antidesenvolvimentista porque se dedica a estrangular a demanda através de todos os instrumentos disponíveis. A política monetária do governo (lembremo-nos: não existe a política monetária do Banco Central; existe, sim, a política monetária do governo federal, responsável, queira ou não, pelas ações do banco) visa impedir que a demanda cresça acima de 3,5% ao ano, limite que o próprio governo julga intransponível sem que se gerem pressões inflacionárias inaceitáveis.
Ao impor um baixo teto para a expansão da demanda, a política impede que as empresas acumulem os lucros necessários para financiar investimentos ou que possam recorrer a crédito em termos compatíveis com a rentabilidade esperada dos novos equipamentos.
Sua política fiscal é também negativa, porque substitui o gasto em investimentos públicos, fundamentais para gerar demanda em setores importantes de nossa indústria, pela provisão de recursos para o serviço da dívida, a taxas de juros insustentáveis, recursos estes que dificilmente deixam a circulação financeira para se tornar demanda por bens e serviços.
A política cambial, confessadamente, não existe. O câmbio varia ao sabor da política de juros do Banco Central, que, por sua vez, recusa-se a reconhecer sua responsabilidade nesse processo. Da política monetária de juros altos resulta a valorização do câmbio, deletéria para nossa balança comercial, eventualmente interrompida por manifestações de perplexidade do presidente da República, como ocorreu nesta semana.
Não é possível compensar os efeitos dessa política com retórica de baixo alcance -como, infelizmente, até agora, foram os acenos do governo na direção de políticas industriais, por exemplo. Panacéias recém-descobertas, como a Lei de Falências ou, agora, o fim do direcionamento de crédito, são apenas isso mesmo, panacéias. Basta olhar a experiência dos países que enfrentaram com sucesso o desafio do desenvolvimento para ver que, na melhor das hipóteses, o efeito de algumas dessas panacéias será marginal, enquanto outras poderão ser francamente deletérias.
Muitos dos que apoiaram Lula em 2002 consolaram-se nesses últimos 23 meses dizendo que este era um "governo em disputa", que Lula fora forçado pela "herança maldita" a adotar as políticas descritas. O próprio presidente sepultou essas ilusões nesta semana, com sua enfática declaração: "Na política econômica eu não mudo nada. A política econômica é essa e não tem volta. E quem quiser contestar a política econômica comigo não terá vez para discutir".
De pelo menos uma crítica Lula certamente se livrou, a da ambigüidade que marcava seu discurso até então.


Fernando J. Cardim de Carvalho é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ.


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