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TENDÊNCIAS/DEBATES
O governo Dilma precisa fazer um ajuste fiscal?
SIM
Oportunidade imperdível
GUILHERME DA NÓBREGA
Há muito a se comemorar nos resultados fiscais do Brasil. De maneira inédita na história recente, o
governo pode fazer política fiscal
anticíclica como resposta a uma
grave crise.
Apesar da perda de receita e da
queda do superavit primário, preservou-se a solvência. Pode-se até
reduzir temporariamente alguns
impostos. Havia gordura.
Em 2009, por causa da crise, a arrecadação praticamente não cresceu. Já o gasto continuou a subir,
mais ou menos no mesmo ritmo
acelerado dos últimos anos. O superavit primário (antes de juros),
que até então andava na casa dos
4% do PIB, caiu para 2,1% do PIB.
Em 2010, com a recuperação da
economia, a receita felizmente voltou a crescer. O gasto, porém, se
acelerou. Não fossem receitas extraordinárias e alguma criatividade
contábil, o resultado primário teria
se mantido no mesmo nível fraco de
2009. Computados os extras, deve
chegar a 3% do PIB.
O novo governo já anunciou a intenção de manter o superavit nesse
nível em 2011. Sem receitas extraordinárias e criatividade, porém, só
chegará lá se reduzir fortemente o
crescimento dos gastos. O esforço,
contudo, é necessário e tende a ser
bem recompensado.
O conforto que vivemos desde
2009 é resultado de longa e paciente preparação. Se formos ver bem,
essa história começa na exaustão
fiscal do começo dos anos 80. Ali
encerrou-se o ciclo de crescimento
tocado pelo setor público nos anos
70, do qual foram protagonistas as
empresas estatais, o gasto público,
o crédito público subsidiado, a proteção tarifária e as grandes obras.
Quaisquer que fossem os seus
méritos, o modelo dos anos 70 deixou uma herança fiscal indesejável
-nos números e, principalmente,
na precariedade institucional. Sobraram limitadíssimos instrumentos de gestão. Era preciso agir.
Em 1986 criou-se, finalmente,
uma secretaria do Tesouro. Por essa
época se eliminou o relacionamento privilegiado que o Banco do Brasil tinha com o Banco Central. Depois de idas e vindas, o Ministério
do Planejamento se consolidou no
papel de gestor orçamentário.
As privatizações eliminaram despesas e simplificaram a gestão. O
enxugamento do sistema bancário
público revelou alguns esqueletos
e evitou muitos outros. A Lei de
Responsabilidade Fiscal trouxe capacidade de controle e mais previsibilidade.
Mesmo restando muito a fazer, a
construção de conjunto mínimo de
instituições fiscais é, sem exagero,
uma das mais importantes conquistas de nossa história recente.
Para ela contribuíram sucessivos
governos, o Congresso, o Judiciário, a opinião publica. Se não resolvemos todos os problemas, ao menos sabemos onde a maioria deles
está. A melhor política fiscal está no
centro da transformação que nos
deu juros mais baixos, horizontes
mais largos, mais produtividade,
mais crescimento. Não é pouco.
O novo governo terá, de imediato, a oportunidade de mostrar que
faz parte dessa trajetória. A piora
fiscal de 2009 era plenamente justificável. A ausência de melhora em
2010 (a não ser pelos eventos extraordinários) criou a dúvida sobre
seu compromisso com a história
que construímos ao longo desses
muitos anos.
Empenhar-se para entregar de
fato um superavit primário superior
a 3% do PIB, "sem exceções", será
fundamental para dar corpo ao discurso oficial, confirmando a natureza anticíclica dos fracos resultados de 2009 e 2010.
No plano conjuntural, contribuirá para desacelerar a economia, reduzindo o risco de inflação e a
eventual necessidade de o Banco
Central subir juros. De perspectiva
mais longa, o compromisso permanente com o nível e a qualidade do
gasto público é o caminho para assegurar que o Brasil continuará a se
beneficiar de juros mais baixos, horizontes mais largos e estabilidade.
Não é fácil chegar lá, mas a oportunidade de tentar é imperdível.
GUILHERME DA NÓBREGA, formado pela London
School of Economics, é economista do banco Itaú
Unibanco.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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