São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo Dilma precisa fazer um ajuste fiscal?

SIM

Oportunidade imperdível

GUILHERME DA NÓBREGA

Há muito a se comemorar nos resultados fiscais do Brasil. De maneira inédita na história recente, o governo pode fazer política fiscal anticíclica como resposta a uma grave crise.
Apesar da perda de receita e da queda do superavit primário, preservou-se a solvência. Pode-se até reduzir temporariamente alguns impostos. Havia gordura.
Em 2009, por causa da crise, a arrecadação praticamente não cresceu. Já o gasto continuou a subir, mais ou menos no mesmo ritmo acelerado dos últimos anos. O superavit primário (antes de juros), que até então andava na casa dos 4% do PIB, caiu para 2,1% do PIB.
Em 2010, com a recuperação da economia, a receita felizmente voltou a crescer. O gasto, porém, se acelerou. Não fossem receitas extraordinárias e alguma criatividade contábil, o resultado primário teria se mantido no mesmo nível fraco de 2009. Computados os extras, deve chegar a 3% do PIB.
O novo governo já anunciou a intenção de manter o superavit nesse nível em 2011. Sem receitas extraordinárias e criatividade, porém, só chegará lá se reduzir fortemente o crescimento dos gastos. O esforço, contudo, é necessário e tende a ser bem recompensado.
O conforto que vivemos desde 2009 é resultado de longa e paciente preparação. Se formos ver bem, essa história começa na exaustão fiscal do começo dos anos 80. Ali encerrou-se o ciclo de crescimento tocado pelo setor público nos anos 70, do qual foram protagonistas as empresas estatais, o gasto público, o crédito público subsidiado, a proteção tarifária e as grandes obras.
Quaisquer que fossem os seus méritos, o modelo dos anos 70 deixou uma herança fiscal indesejável -nos números e, principalmente, na precariedade institucional. Sobraram limitadíssimos instrumentos de gestão. Era preciso agir.
Em 1986 criou-se, finalmente, uma secretaria do Tesouro. Por essa época se eliminou o relacionamento privilegiado que o Banco do Brasil tinha com o Banco Central. Depois de idas e vindas, o Ministério do Planejamento se consolidou no papel de gestor orçamentário.
As privatizações eliminaram despesas e simplificaram a gestão. O enxugamento do sistema bancário público revelou alguns esqueletos e evitou muitos outros. A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe capacidade de controle e mais previsibilidade.
Mesmo restando muito a fazer, a construção de conjunto mínimo de instituições fiscais é, sem exagero, uma das mais importantes conquistas de nossa história recente.
Para ela contribuíram sucessivos governos, o Congresso, o Judiciário, a opinião publica. Se não resolvemos todos os problemas, ao menos sabemos onde a maioria deles está. A melhor política fiscal está no centro da transformação que nos deu juros mais baixos, horizontes mais largos, mais produtividade, mais crescimento. Não é pouco.
O novo governo terá, de imediato, a oportunidade de mostrar que faz parte dessa trajetória. A piora fiscal de 2009 era plenamente justificável. A ausência de melhora em 2010 (a não ser pelos eventos extraordinários) criou a dúvida sobre seu compromisso com a história que construímos ao longo desses muitos anos.
Empenhar-se para entregar de fato um superavit primário superior a 3% do PIB, "sem exceções", será fundamental para dar corpo ao discurso oficial, confirmando a natureza anticíclica dos fracos resultados de 2009 e 2010.
No plano conjuntural, contribuirá para desacelerar a economia, reduzindo o risco de inflação e a eventual necessidade de o Banco Central subir juros. De perspectiva mais longa, o compromisso permanente com o nível e a qualidade do gasto público é o caminho para assegurar que o Brasil continuará a se beneficiar de juros mais baixos, horizontes mais largos e estabilidade.
Não é fácil chegar lá, mas a oportunidade de tentar é imperdível.


GUILHERME DA NÓBREGA, formado pela London School of Economics, é economista do banco Itaú Unibanco.

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