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ÉTICA E REFORMA DA NATUREZA
Encontra-se em curso um debate
tão aceso quanto fundamental para o
futuro da agricultura e da medicina,
do qual, no entanto, ainda só se ouvem ecos esparsos no Brasil. Em
pauta está a biotecnologia, a técnica
de manipulação genética para modificar alimentos e remédios na tentativa de aperfeiçoá-los.
Isto é, debate-se a intervenção humana nos mecanismos biológicos
responsáveis pela forma e pelas funções dos seres vivos, que hoje atinge
também até o próprio corpo humano, como o demonstram técnicas como a clonagem. Por ora, a engenharia da vida está na base da reorganização da indústria química e farmacêutica em "life sciences companies"
(empresas das ciências da vida).
Esses novos gigantes empresariais
costumam apresentar-se como portadores de soluções para os problemas da humanidade. Da cura de
doenças renitentes à capacidade de
alimentar uma população mundial
que pode ultrapassar 10 bilhões de
pessoas, a esperança se concentraria
doravante no DNA, matéria-prima
dos genes. Isto é, a solução estaria na
capacidade humana de manipular
aquilo que faz um organismo funcionar desta ou daquela maneira.
Dominar a genética, para pô-la a
serviço do homem -este é o programa alardeado. Desta perspectiva,
contrapor-se à biotecnologia equivaleria a obstar o progresso na luta
contra a fome e a doença.
No campo oposto, porém, os argumentos também buscam o fundamento convincente da ética ou, pelo
menos, da prudência em relação a essa espécie de "reforma da natureza"
que teria como resultado plantas e
animais transgênicos -modificados
geneticamente.
Ambientalistas e alguns pesquisadores acreditam que os riscos da manipulação genética para a saúde e o
ambiente não se encontram definitivamente afastados. Afirmam estes
críticos que as culturas transgênicas
disponíveis, tais como a da soja e a
do milho, beneficiam produtores de
sementes e agrotóxicos, não o público em geral. Temem que essas variedades dominem a agricultura, aumentando a dependência em relação
a uns poucos cultivares.
Ainda segundo estas críticas, prosseguir com o rolo compressor dos
alimentos transgênicos representaria o atropelo de princípios democráticos elementares, como a liberdade
de escolha, por exemplo.
O confronto de tais posições evidenciou-se mais uma vez na conferência "Biotecnologia em Público",
realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em dezembro.
Verificaram-se, no entanto, alguns
avanços. O mais importante parece
ser a constatação de que o interesse
do público terá de ser definido de
forma pragmática e não principista.
O Brasil encontra-se em posição
privilegiada para encetar esse debate,
pois apenas iniciou a regulamentação de organismos geneticamente
modificados. Para isso, no entanto, é
fundamental que a discussão transcenda o foro restrito da Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança.
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