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CLÓVIS ROSSI
Moisés e as reformas
DAVOS - Pergunte a 10 empresários e acadêmicos o que é preciso fazer para destravar o crescimento do
Brasil (e, no geral, da América Latina) e 9 deles responderão: reformas. Virou muleta retórica e até intelectual. Dispensa investigações
mais aprofundadas e um pensamento original.
Aí, vem o presidente mexicano,
Felipe Calderón, que está longe de
ser esquerdista ou populista (as
duas categorias mais anatematizadas do planeta nos últimos tempos), e decreta: "Nossos povos estão
cansados depois de duas, três décadas de reformas. A pobreza continua aí, o meio ambiente se está deteriorando".
O que Calderón chama de cansaço é um dos fatores mais importantes que levou a maioria do eleitorado latino-americano, na catarata de
eleições de 2006, a preferir candidatos identificados (real ou fingidamente) com a anti-reforma.
Para Calderón, é como se os judeus, cansados da penosa travessia
do mar Vermelho, tivessem decidido voltar ao Egito e permanecer sob
o jugo dos faraós, em vez de continuar até a Terra Prometida. A imagem seria perfeita não fosse por
dois detalhes: a América Latina
atravessa seu mar Vermelho há 500
e poucos anos e nunca chega à Terra Prometida.
Dois: não há indicações científicas de que seja uma cornucópia de
mel a Terra Prometida, se entendida como o produto da conclusão de
todas as reformas sonhadas pelo
pensamento único.
Pegue-se uma só das reformas,
talvez a mais martelada no momento, a previdenciária. Sempre que se
fala dela, a percepção do comum
dos mortais é a de que o andar de cima está falando de tunga. Vale o raciocínio para a reforma trabalhista.
A percepção pode ser incorreta,
mas é a visão que se tem da Terra
Prometida. Será preciso mais que
Moisés para convencer seu povo a
perseverar numa direção que não
parece a do paraíso.
crossi@uol.com.br
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