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São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma carta de boas intenções

ALBERTO GOLDMAN

A "Carta de Brasília", na qual se estabelecem compromissos entre o governo federal e os governadores, teve o mérito de obrigar o presidente Lula e sua equipe a colocarem os pés no chão e sentirem que a realidade é bem diferente dos discursos repetidos durante anos.
No entanto o documento não passa de uma declaração de intenções, boas por sinal. Com a reforma tributária se deseja: "promover a justiça"; "elevar a eficiência e a competitividade da economia", sem prejudicar qualquer ente da Federação; "reduzir a carga individual e dos setores mais frágeis da economia"; "reduzir a carga sobre a cesta básica"; e "obter maior progressividade com a revisão dos impostos diretos e a redução das desigualdades regionais". Tudo isso preservando a eficiência arrecadatória, para que se tenha uma transição segura.
Como se fará isso? Diz a carta que "com desoneração das exportações e o estímulo à produção e ao investimento produtivo", "a simplificação do sistema", "o combate à sonegação e à evasão tributária", "a redução da incidência cumulativa das contribuições sociais" e "a definição de uma política de desenvolvimento regional sustentada".
Até aqui, nada de novo. Repete-se o que se vinha dizendo, sem nenhuma contestação, durante anos. A questão é que está na hora de definir, concretamente, as medidas legais que devem ser implementadas. Aí é que o bicho pega. Cada um -governador, empresário, trabalhador, servidor, aposentado, cidadão- tem uma determinada concepção e um dado interesse. Cada um tem uma reforma tributária específica em sua cabeça.


Até aqui, nada de novo. Repete-se o que se vinha dizendo, sem nenhuma contestação, durante anos


De concreto, o documento propõe a unificação da legislação do ICMS (sem acordo para a questão mais complexa e conflituosa: A cobrança do imposto será na origem ou no destino?) e -única novidade- a contribuição patronal para o financiamento da Seguridade Social, cobrada sobre a receita bruta com redução dos encargos sobre a folha de pagamento, medida esta de difícil consenso e duvidosa eficácia, já que seria mais um imposto em cascata, que o documento propõe extinguir.
No caso da reforma previdenciária, o documento surpreende pelo diagnóstico, o mesmo que temos feito nos últimos anos, e pelas propostas, que sugerem não só a aprovação de medidas que foram rejeitadas pelas forças do atraso, ora no poder, como ainda a introdução de outra por nós apenas cogitada, dado o nível da reação que se organizou contra qualquer mudança no sistema de previdência.
Enfim, mesmo em matérias que têm sido discutidas durante anos, o que se viu foi, de fato, uma demonstração de que, mesmo tendo à mesa apenas os entes arrecadadores, não os contribuintes, existe uma enorme gama de divergências e os acordos se limitam a uma declaração de (boas) intenções. Imaginemos, agora, quando toda a sociedade for chamada para intervir, influindo na ação dos parlamentares no Congresso Nacional, qual será o nível dos conflitos que emergirão.
Ainda assim, as decisões devem ser tomadas. Certamente, não tivesse havido tanta resistência às mudanças nos anos passados, poderíamos ter avançado muito mais, facilitando a vida dos atuais governantes e minimizando o sofrimento de muitos.
O presidente Lula bebe hoje o seu próprio veneno. Isto, porém, pouco importa. O que importa é que se faça, o mais depressa possível, o que se deve fazer, porque estão em jogo os interesses da nação.

Alberto Goldman, 65, deputado federal pelo PSDB de São Paulo, é vice-presidente nacional do partido. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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