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TENDÊNCIAS/DEBATES
Que autonomia é essa, companheiro?
ANTHONY GAROTINHO
A questão inicial a respeito da
idéia de autonomia do Banco Central é a seguinte: O que desejam os defensores dessa autonomia? Em primeiro lugar, desejam liberdade de ação das
autoridades do BC em relação à sociedade organizada e ao governo federal.
Na verdade, em toda a sua história, o
Banco Central brasileiro tem agido de
forma a favorecer o capital financeiro.
Como não existem normas definidoras
de uma estrutura organizacional e administrativa que contemplem a participação da sociedade organizada nas decisões, tudo é decidido de forma não-estruturada, refletindo os interesses do
grupo político eventualmente no poder
e do único setor que efetivamente participa dessas decisões, o setor financeiro.
A regulamentação parcial do artigo
192 da Constituição Federal, proposta
pelo governo Lula, é uma pressão explícita para manter o poder do sistema financeiro sob a autoridade monetária do
país. Sem uma reestruturação, não podemos fazer modificações no BC. Ele
precisa, antes, ser democratizado.
Peguemos o exemplo norte-americano do Federal Reserve (FED), tão citado
pelos economistas como modelo de
banco central independente. Ele é composto de quatro instituições, integradas
por representantes de vários setores da
sociedade, representantes de bancos regionais e conselheiros indicados pelo
presidente da República. A primeira
instituição é o Conselho Superior, formado por sete membros com mandatos
fixos, apontados pelo presidente da República e aprovados pelo Congresso.
Um de seus membros é indicado presidente, com mandato de quatro anos.
O FED é composto ainda por 12 bancos centrais regionais, tendo cada um
nove diretores. Desses 108 diretores, um
terço é representativo das classes produtoras de cada região; um terço, do sistema financeiro; e o outro terço é dividido entre representantes do notório saber e de sindicatos de trabalhadores.
A terceira instituição que compõe o
FED é o Comitê Federal de Conselheiros, em número de 12, todos indicados
pelo presidente da República.
A quarta instituição é o Comitê Federal do Mercado Aberto. Trata-se de um
órgão colegiado, composto pelos sete
membros do "board" e pelos 12 presidentes dos bancos centrais regionais. O
presidente do Comitê Federal do Mercado Aberto é o presidente do FED, que
tem como vice o presidente do Banco
Central da Reserva Federal de Nova
York. Esse colegiado se reúne a cada seis
semanas para examinar os 12 relatórios
emitidos por cada banco central regional, surgindo daí um conjunto de proposições a serem examinadas pelo plenário. É dentro desse plenário que as
decisões mais importantes para a economia americana são tomadas, inclusive a fixação dos juros de curto prazo.
Colocar em pauta a autonomia do Banco Central brasileiro sem permitir a sua reestruturação não é sério
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A decisão sobre a taxa básica de juros
nos Estados Unidos não é, portanto, um
processo desorganizado, individual ou
dominado por um setor, mas reflete a
vontade da sociedade americana. São 93
as instituições que podem se manifestar. Quando Alan Greenspan, o presidente do FED, faz o seu pronunciamento, toda a cadeia produtiva -o mercado financeiro, o setor agrícola, o setor
pensante- já opinou.
Colocar em pauta a autonomia do
Banco Central brasileiro sem permitir a
sua reestruturação não é sério. No Brasil, é o BC que estabelece as regras de
operação do sistema financeiro, gerencia as dívidas interna e externa, cuida
das reservas internacionais, fixa as taxas
de juros, conduz a política de câmbio e
acompanha a remessa de lucros para o
exterior, entre outras atribuições.
Conceder autonomia ao banco sem
mudar as atuais estruturas será, definitivamente, entregar a chave do cofre aos
banqueiros. O governo Lula deveria
proceder, por meio de um grupo de trabalho, à revisão da missão, estrutura,
funcionamento e independência do BC.
Os debates deveriam incluir a sociedade
organizada, retirando dos grupos fechados a exclusividade na formulação das
orientações da política monetária.
O povo brasileiro reprovou, nas eleições, o modelo de política econômica
implantado no Brasil por Fernando
Henrique e Malan. Aceitar a autonomia
legal do Banco Central nas condições
atuais é criar para os bancos uma espécie de área reservada em que o governo
fica impedido de implementar seus projetos. O presidente da República ficará
legalmente privado do poder de alterar
a política cambial e monetária.
O PT tem todas as condições políticas,
conferidas pelo povo, para construir
um novo paradigma de BC, para que ele
seja o Banco Central do Brasil, e não o
Banco Central dos banqueiros.
Anthony Garotinho, 42, foi governador do Estado do Rio de Janeiro (1999-2002), prefeito de Campos (1989-92 e 1997-98) e candidato à Presidência da República, em 2002.
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