São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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CIÊNCIA NA REDE

Uma das principais características do método científico é a ampla troca de informações entre pesquisadores. Ninguém, é claro, entrega ao laboratório rival o segredo que pode levar a um Prêmio Nobel, mas, uma vez concluído o experimento ou feita a descrição do achado -e requeridas as eventuais patentes-, é praxe submetê-los a publicação por um periódico de prestígio e auditado, ou seja, com o controle de qualidade que se chama de "peer review" (revisão pelos pares). Enquanto a pesquisa não é publicada, ela não existe para o mundo científico.
É essa rápida troca de conhecimentos que permite o avanço da ciência. O experimento publicado logo é repetido por outros grupos que trabalhem na mesma área. Se houver erro no original, são grandes as chances de ele ser detectado. Pequenas variações na repetição podem levar a novas conclusões. Muitas vezes, um determinado achado é a peça que faltava para completar a pesquisa de outro grupo. É a publicação que integra os vários centros de pesquisa e dá organicidade à comunidade científica.
Como não poderia deixar de ser, o advento da internet trouxe importantes repercussões para o mundo da ciência. Com facilidades como o correio eletrônico, nunca foi tão fácil -e barato- para um pesquisador trocar impressões com um colega em outro país ou continente. O meio das publicações científicas também foi afetado. Surgiram, nos últimos anos, uma pletora de novos títulos eletrônicos, que aliam a maior agilidade à redução dos custos com papel, impressão e distribuição.
Questiona-se, também, o modelo de negócios das publicações. Os principais periódicos costumam cobrar -e muito- para ser lidos. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por exemplo, gasta cerca de US$ 20 milhões anuais para colocar os principais "journals" à disposição dos pesquisadores brasileiros em seu portal na internet. As publicações alegam -não sem fundamento- que têm custos muito elevados para manter equipes de editores especializados e cientistas que julgam o mérito de todos os trabalhos que lhe são submetidos pelos autores.
O argumento não convence a todos, e já surgiram alternativas como "PLoS", sigla para "Public Library of Science", ou biblioteca pública de ciência. É uma publicação que nada cobra para ser lida. A idéia é especialmente sedutora para países pobres como o Brasil, cujos laboratórios e instituições de pesquisa nem sempre dispõem das centenas de dólares para assinar uma revista. No plano nacional, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) mantém o portal Scielo (www.scielo.br), que dá acesso gratuito a 120 publicações brasileiras.
Infelizmente não existe almoço gratuito. "PLos", a exemplo de seus congêneres, tem custos que precisam ser cobertos. Assim, ela cobra cerca de US$ 1.500 dos autores para publicar um texto. Ainda não se sabe ao certo se esse é um modelo viável. Mesmo na hipótese de sê-lo, cabe lembrar que a taxa pode ser proibitiva para muitos pesquisadores do Terceiro Mundo. Trata-se, porém, de uma iniciativa que merece apoio e incentivo. No mínimo, por estar mais de acordo com a filosofia do método científico, que é a de dar a maior publicidade possível a experimentos e achados de pesquisadores.


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