São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

40 anos depois

RIO DE JANEIRO - O movimento de 1964 está sendo lembrado com a atenção devida a uma data que criou e manteve grave e longa ruptura no regime democrático.
Como sobrevivente dessa etapa que o Brasil viveu, estranho a unanimidade dos textos e declarações relativas àquele período da vida nacional. Tem-se a impressão de que o golpe militar (e foi realmente um golpe militar) contrariou a vontade do povo.
Militares, empresários, a Igreja Católica ainda não dividida, jornais, revistas, emissoras de rádio e TV e, finalmente, o povo em geral, todas as expressões da alma brasileira estavam a favor do golpe. O único jornal contrário à deposição de João Goulart, a "Última Hora", pagou o preço de suas ligações governistas, vindas desde o tempo de sua fundação, ligações que provocariam o suicídio de Vargas.
Alguns repórteres e pesquisadores ficam admirados quando, ao ser questionado por eles, digo exatamente isso. Pouquíssimos eram contrários ao golpe, o jornal em que eu trabalhava na ocasião, o "Correio da Manhã", era o mais violento na campanha contra aquilo que era chamado de baderna comunista e peleguista.
Evidente que as barbaridades do novo regime, gradualmente aumentadas, criaram o repúdio consensual ao regime então instaurado. O próprio "Correio da Manhã" foi o primeiro e durante algum tempo o único que se colocou contra a maioria dominante que incluía militares, empresários, igreja e povo em geral. E a própria mídia.
Também o "Correio" pagou o preço da mudança de sua atitude, mudança iniciada no dia seguinte ao golpe, a 2 de abril daquele ano, com uma crônica de segundo caderno que apenas debochava do aparato bélico para depor um governo no qual ninguém mais acreditava.
Depois sim, o mesmo jornal passou a denunciar a tortura, a delação, a violência e a burrice daquele movimento. E não ficou sozinho nessa posição, que logo se tornou aspiração de todos e pela qual tantos morreram.


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