São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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VALDO CRUZ

Fora da ordem

BRASÍLIA - Seja qual for o desfecho do caso Isabella Nardoni, um ministro do Supremo Tribunal Federal diz que algo está fora da ordem legal no episódio que hipnotizou boa parte dos brasileiros.
Falando reservadamente, na semana de troca de comando no STF, esse ministro avalia que o caso foi se transformando num espetáculo, estimulado principalmente por quem devia evitá-lo, criando na população não um desejo de Justiça, mas uma sede de vingança.
O integrante do Supremo critica a atitude das autoridades policiais e do Ministério Público no caso. "Polícia e promotoria alimentaram o espetáculo, firmaram uma convicção e divulgaram desde o início dados para comprovar sua tese."
O ministro sintetiza seu sentimento com a seguinte frase: "Parece que decidiram massacrar a monstruosidade com outra monstruosidade. Pior, aqueles que deveriam zelar pelo Estado de Direito incentivaram o sentimento de Justiça com as próprias mãos".
Na sua avaliação, num inquérito correndo sob segredo de Justiça, delegados e promotor deveriam evitar o vazamento de informações a conta-gotas, como ocorreu. Tinham a obrigação de aguardar o final das investigações para só então divulgar suas conclusões.
O ministro acredita que as autoridades policiais e o promotor usaram a imprensa como um motivador de comportamento. Sucumbiram ao apelo midiático, encarnaram a figura do justiceiro e fizeram essa imagem ganhar mundo. Faz bem para o ego de alguns, mas pode destruir a vida de inocentes.
Talvez não seja o caso do pai e da madrasta de Isabella Nardoni, mas, pelo nosso Estado de Direito, eles ainda não foram condenados. O risco é deixarmos casos como este, de forte apelo emocional, serem usados para justificar o atropelo das leis vigentes. Se hoje me sinto nesse direito, amanhã posso ser vítima de igual sentimento. Nosso passado está repleto de cenas semelhantes. O final nunca é o melhor.


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