São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Vampiros dentro da lei

SÃO PAULO - Enquanto a farra da corrupção vampiriza criminosamente os já minguados recursos públicos do país, a irremovível inclinação de nossos parlamentares para legislar em causa própria continua fazendo o serviço dentro da lei. Um caso acintoso, que dá bem a medida do compromisso da classe política consigo mesma, está sendo encenado no Congresso, onde se redobram os esforços para evitar que o número de vereadores não seja reduzido, como definiu o Tribunal Superior Eleitoral.
Uma vez que o Supremo Tribunal Federal entendeu que a quantidade de representantes deve ser proporcional à população dos municípios, o TSE estabeleceu uma detalhada tabela, cuja aplicação, a ser realizada já nas próximas eleições, resultaria no corte de 8.528 cadeiras.
Eis que, diante da ameaça de racionalizar a representação e economizar dinheiro, nossos políticos, sempre vigilantes, prontamente reagiram. Os deputados apressaram-se em criar uma proposta de emenda constitucional, enquanto os senadores despertaram uma outra que lá dormia havia dez anos. Quem dera fossem ágeis assim quando se tratasse de aprovar projetos úteis ao país. Anteontem, a Câmara votou sua emenda em segundo turno, com 365 votos a favor e apenas 19 contra. O projeto salva 40% das vagas cortadas pelo TSE. De quebra, os deputados vão negociar com os senadores o fim do atual limite de 70% imposto às Câmaras Municipais para pagamento de pessoal. É muita cara-de-pau.
O episódio é parte de uma tragédia maior, que foi a estapafúrdia proliferação de municípios chancelada pela Constituição de 1998 -verdadeira praga que assolou o país na década de 90. Quando cerceada, já havia se espalhado, produzindo cidades fictícias e estruturas políticas inúteis, que servem apenas para aumentar a gastança pública e oferecer cargos a serem instrumentalizados e rifados pelos poderes locais.


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