São Paulo, Segunda-feira, 28 de Junho de 1999
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Marketing das lágrimas

VALDO CRUZ
São Paulo - Participei, na semana passada, de um evento voltado para crianças carentes. Uma empresa lançou uma campanha para arrecadar recursos destinados a uma entidade que atende menores abandonados.
A empresa e a entidade são sérias. Como o objetivo não é destacar o lado positivo do evento, que realmente havia, mas o espetáculo que presenciei, prefiro não revelar os nomes das duas para não confundir as coisas.
Sinceramente, não me senti bem naquele ambiente. Sei que havia gente bem-intencionada no salão apinhado. Estava tão cheio que era impossível circular sem sair trombando com alguém. E com um som ensurdecedor, o que tornava muito difícil conversar sobre alguma coisa.
Mas uma boa parte das pessoas que decidiram "prestigiar" o evento estava ali muito mais preocupada com sua imagem do que com o objetivo principal do encontro. A preocupação central de alguns, ou muitos, era fazer pose para fotos.
Era um sorrisinho falso aqui, um abraço no estilo amigos inseparáveis que quase nunca se vêem ali, uma tentativa de sair naquela cena com aquele artista acolá. Em outras palavras, o que assisti foi a um espetáculo de marketing social. Quase deprimente.
Eis o novo fenômeno dos tempos de pobreza crescente. Está fazendo sucesso posar de defensor de criança abandonada. Quando a pessoa faz a pose, mas mete a mão no bolso, vá lá. O sujeito fatura, mas alguém é beneficiado. Menos mal. Pior seria não fazer nada.
O difícil de engolir é que tem gente que aparece nessas reuniões, fatura o seu e não se dispõe a derramar nem uma gota de suor pela causa. Uma contribuição, então, nem pensar. Posso estar errado, mas naquela noite muitos se encaixavam nesse perfil. Triste país esse, em que pessoas procuram lustrar sua imagem com a desgraça alheia.
Em tempo. Não sou um descrente nessa área. Acredito e me emociono com pessoas que realmente se dedicam a uma causa social. É só um desabafo.


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