São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 2006

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Muito além dos Jardins

LUCIANO HUCK


Se não abrirmos os olhos e colocarmos a mão na massa, tenho medo de que meu filho cresça em um Brasil com guerrilha urbana


FUI CONVIDADO pelo Centro de Cultura Judaica para escrever sobre "coexistência" para esta Folha de S.Paulo (daqui a pouco vocês verão o porquê).
A questão é que, apesar da causa nobre, falar de coexistência enquanto Israel e o Hizbollah mostram as suas armas e colocam crianças, jovens e mulheres, enfim, ambos os povos expostos às conseqüências da falta de diplomacia e da não-coexistência mútua não é uma tarefa muito fácil.
Mesmo entendendo os problemas israelenses, mesmo sendo solidário a um país e a um povo que há muito tempo lutam para sobreviver e manter as suas tradições e costumes, não concordo com as opções bélicas para resolver questões relativas à segurança e à soberania.
Assim sendo, acho que São Paulo terá, neste final de agosto e durante setembro, uma boa chance para discutir e repensar o que é coexistência. Usando uma causa israelense, temos uma boa chance de tentar entender o que levou esta cidade a se partir. A "Cidade Partida", de Zuenir Ventura, atravessou a ponte aérea. São Paulo se partiu; cidadãos de um lado, crime organizado, narcotráfico e afins do outro.
Por quê? Apropriando-me do estilo Washington Olivetto, vou tentar explicar a oportunidade de discutir a coexistência por meio da minha experiência pessoal -ele adora fazer isso em seus textos. E faz muito bem. Por isso, só vou me apropriar do estilo, pois para chegar próximo da clareza, da inteligência e da criatividade de Washington Olivetto, ainda vou ter de comer muito feijão.
Hoje, faço televisão pensando na maioria, no povo, no Brasil. Muito longe dos Jardins ou do Fashion Mall -se bem que, no caso do Fashion Mall, a Rocinha está a menos de um quilômetro de distância.
Hoje em dia, os grandes protagonistas do meu programa não são os bonitões da novela e muito menos a grande estrela do pagode da semana. É o telespectador, a maioria, o povo.
Demorei alguns anos para entender o meu papel na TV, qual era o meu prazer em fazer televisão e, o mais importante, o que as pessoas esperavam de mim que eu realmente pudesse oferecer. Não por obrigação, por pressão do Ibope ou por causa de outros elementos sobrenaturais quaisquer.
Minha profissão me tirou de casa, do bairro, da minha cidade. Me tirou do "gueto às avessas" e me fez rodar o Brasil, ir pra rua, ouvir as pessoas, entender as suas histórias, olhar nos olhos e concluir que realmente todo mundo tem uma história para contar.
Apesar das sacanagens políticas, do oportunismo mesquinho, do abismo social, da falta de oportunidades, da falta de democratização da cultura, do caos da saúde, do limitado acesso à educação, não temos guerras, não temos terrorismo, não temos guerrilha. Aceitamos todas as religiões e raças. Ainda somos um país unido.
Pois se não abrirmos os olhos e colocarmos a mão na massa, tenho medo de que meu filho vire um adolescente em um Brasil com guerrilha urbana, terrorismo, caos social absoluto e outras "cositas más".
Daí a importância de abrir os olhos e as idéias para a exposição que aterrissa no Brasil. Mais especificamente, na praça da Paz do parque Ibirapuera -nome sugestivo. A mostra começou ontem e vai até 26 de setembro.
O nome: Coexistence.
Uma iniciativa do Museum on the Sean de Jerusalém (Israel), é trazida ao Brasil pela Centro da Cultura Judaica. Trata-se de uma mostra de arte gigante e itinerante -a exposição reúne 45 outdoors de 3m x 5m criados por artistas de várias partes do mundo.
Inaugurada em 2001 como resposta ao ciclo de violência em algumas regiões de Jerusalém, "Coexistence" tem a proposta de sensibilizar e conscientizar a sociedade para a importância da integração, do diálogo e do respeito ao "outro". Democrática, de graça, aberta a todos. Uma excelente oportunidade para juntos discutirmos a coexistência em uma cidade como São Paulo.
De todas as obras que estarão expostas, a mais famosa é aquela que reúne os símbolos do judaísmo, cristianismo e islamismo grafados na palavra "Coexist". Não acho que os símbolos do judaísmo, cristianismo e islamismo signifiquem conflitos no Brasil, como é o caso do Oriente Médio. Mas garanto que temos muitos outros símbolos no Brasil que merecem coexistir com maior harmonia, respeito e paz.

LUCIANO HUCK , 34, apresentador de TV, comanda o programa "Caldeirão do Huck", na TV Globo. É diretor-presidente do Instituto Criar de TV e Cinema.


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