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Aparelhamento do Estado?
FÁBIO KERCHE
Comparando este governo com o anterior, não há diferenças significativas no que diz respeito à ocupação dos cargos de confiança
UMA DAS acusações que perseguem o governo Lula, reforçada por recentes acontecimentos, é que houve um aparelhamento
do Estado brasileiro com a ocupação
dos cargos de confiança por pessoas
identificadas com o projeto vencedor
nas eleições de 2002, ou seja, por petistas e aliados.
Assim, em detrimento da competência, estariam prevalecendo critérios político-partidários; no lugar de
pessoas acostumadas com o trato da
coisa pública, os postos seriam preenchidos por militantes ou diletantes
(que, nessa lógica, seriam sinônimos).
A afirmação é repetida por parte expressiva dos políticos de oposição e
por alguns colunistas e editorialistas,
baseados em exceções no serviço público, e não em dados objetivos e significativos que comprovem o que eles
acreditam ser uma grave denúncia: os
cargos de confiança do Poder Executivo são ocupados por pessoas de confiança dos que foram escolhidos pela
maioria dos eleitores para governar o
país por um determinado período.
Na estrutura do Poder Executivo
no Brasil, a maior parte desses cargos
de livre provimento são conhecidos
pela sigla DAS. Estas são acompanhadas de números, entre um e seis
-quanto mais alto o escalão, mais alto o número.
O curioso é que, ao observar a origem das pessoas que ocupam esses
cargos no atual governo e no anterior,
chegamos a uma conclusão que desmente a acusação resumida no parágrafo anterior: não há diferenças significativas no que diz respeito à ocupação dos cargos de livre provimento.
Se não havia aparelhamento no passado, não há indicadores confiáveis
de que haja nesta administração, já
que os números se assemelham.
Pelos dados disponíveis ao público
no site do Ministério do Planejamento, em novembro de 2001, um ano antes do final do governo FHC, 70,5%
dos DAS eram ocupados por funcionários públicos de carreira. Esse percentual não se modificou significativamente de lá para cá. Em novembro
de 2005, 68,9% dos cargos de confiança do governo Lula também eram
ocupados por funcionários públicos
concursados.
Ou seja, embora os cargos de confiança sejam de livre provimento, a
grande maioria é ocupada por servidores concursados pertencentes ao
quadro funcional do Estado brasileiro, mesmo nos mais altos escalões.
A maioria dos DAS, na prática, funciona como uma espécie de gratificação ao funcionário público por exercer momentaneamente uma função
de confiança no governo. Mais de
80% dos DAS estão na faixa de um a
três. Desses, 71,5% recebem um incremento salarial na faixa de
R$ 1.000 por mês, e o restante, por
volta de R$ 1.500. Distante, portanto,
de gratificações faraônicas, como as
críticas muitas vezes indicam.
Mas nem tudo são semelhanças entre este governo e os anteriores. Desde 2005, por meio de decreto assinado pelo presidente Lula, 75% dos DAS
de um a três e 50% dos DAS 4 -que,
no total, representam 94,5% dos cargos de livre provimento- devem, necessariamente, ser ocupados por funcionários de carreira.
O governo limitou seu verdadeiro
livre provimento -poder escolher
qualquer cidadão, servidor público ou
não, para ocupar um posto no governo federal- a apenas 32,5% do total
de DAS na estrutura do Executivo.
Dito de outra forma, o governo Lula
retirou de sua absoluta discricionariedade a nomeação de mais de
13.300 cargos.
Dos 520 mil servidores públicos civis na ativa do Poder Executivo, pouco mais de 6.400, ou 1,2%, podem ser
livremente indicados para servir ao
governo por determinado período
sem necessidade de ter passado por
concurso público. Ou seja, 98,8% dos
cidadãos que ocupam postos de trabalho no Poder Executivo federal são,
necessariamente, funcionários públicos de carreira e passaram por concurso público.
Em qualquer democracia há cargos
na estrutura do Poder Executivo que
são de livre provimento -a ciência
política produziu inúmeros estudos
mostrando o impacto que mudanças
nesses postos causam nas atuações
das burocracias. Ao fim de uma eleição, o partido vitorioso indica pessoas para cargos-chave afinadas com
o projeto político vencedor com vistas a executar os compromissos assumidos com os eleitores na campanha.
Negar esse direito é não querer que a
população possa interferir nos rumos
das políticas públicas. É negar a própria política.
FÁBIO KERCHE, 35, doutor em ciência política pela USP e
pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ), é assessor da presidência do BNDES.
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