São Paulo, quinta-feira, 28 de setembro de 2006

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Aparelhamento do Estado?

FÁBIO KERCHE
Comparando este governo com o anterior, não há diferenças significativas no que diz respeito à ocupação dos cargos de confiança

UMA DAS acusações que perseguem o governo Lula, reforçada por recentes acontecimentos, é que houve um aparelhamento do Estado brasileiro com a ocupação dos cargos de confiança por pessoas identificadas com o projeto vencedor nas eleições de 2002, ou seja, por petistas e aliados.
Assim, em detrimento da competência, estariam prevalecendo critérios político-partidários; no lugar de pessoas acostumadas com o trato da coisa pública, os postos seriam preenchidos por militantes ou diletantes (que, nessa lógica, seriam sinônimos).
A afirmação é repetida por parte expressiva dos políticos de oposição e por alguns colunistas e editorialistas, baseados em exceções no serviço público, e não em dados objetivos e significativos que comprovem o que eles acreditam ser uma grave denúncia: os cargos de confiança do Poder Executivo são ocupados por pessoas de confiança dos que foram escolhidos pela maioria dos eleitores para governar o país por um determinado período.
Na estrutura do Poder Executivo no Brasil, a maior parte desses cargos de livre provimento são conhecidos pela sigla DAS. Estas são acompanhadas de números, entre um e seis -quanto mais alto o escalão, mais alto o número.
O curioso é que, ao observar a origem das pessoas que ocupam esses cargos no atual governo e no anterior, chegamos a uma conclusão que desmente a acusação resumida no parágrafo anterior: não há diferenças significativas no que diz respeito à ocupação dos cargos de livre provimento.
Se não havia aparelhamento no passado, não há indicadores confiáveis de que haja nesta administração, já que os números se assemelham.
Pelos dados disponíveis ao público no site do Ministério do Planejamento, em novembro de 2001, um ano antes do final do governo FHC, 70,5% dos DAS eram ocupados por funcionários públicos de carreira. Esse percentual não se modificou significativamente de lá para cá. Em novembro de 2005, 68,9% dos cargos de confiança do governo Lula também eram ocupados por funcionários públicos concursados.
Ou seja, embora os cargos de confiança sejam de livre provimento, a grande maioria é ocupada por servidores concursados pertencentes ao quadro funcional do Estado brasileiro, mesmo nos mais altos escalões. A maioria dos DAS, na prática, funciona como uma espécie de gratificação ao funcionário público por exercer momentaneamente uma função de confiança no governo. Mais de 80% dos DAS estão na faixa de um a três. Desses, 71,5% recebem um incremento salarial na faixa de R$ 1.000 por mês, e o restante, por volta de R$ 1.500. Distante, portanto, de gratificações faraônicas, como as críticas muitas vezes indicam.
Mas nem tudo são semelhanças entre este governo e os anteriores. Desde 2005, por meio de decreto assinado pelo presidente Lula, 75% dos DAS de um a três e 50% dos DAS 4 -que, no total, representam 94,5% dos cargos de livre provimento- devem, necessariamente, ser ocupados por funcionários de carreira.
O governo limitou seu verdadeiro livre provimento -poder escolher qualquer cidadão, servidor público ou não, para ocupar um posto no governo federal- a apenas 32,5% do total de DAS na estrutura do Executivo. Dito de outra forma, o governo Lula retirou de sua absoluta discricionariedade a nomeação de mais de 13.300 cargos.
Dos 520 mil servidores públicos civis na ativa do Poder Executivo, pouco mais de 6.400, ou 1,2%, podem ser livremente indicados para servir ao governo por determinado período sem necessidade de ter passado por concurso público. Ou seja, 98,8% dos cidadãos que ocupam postos de trabalho no Poder Executivo federal são, necessariamente, funcionários públicos de carreira e passaram por concurso público.
Em qualquer democracia há cargos na estrutura do Poder Executivo que são de livre provimento -a ciência política produziu inúmeros estudos mostrando o impacto que mudanças nesses postos causam nas atuações das burocracias. Ao fim de uma eleição, o partido vitorioso indica pessoas para cargos-chave afinadas com o projeto político vencedor com vistas a executar os compromissos assumidos com os eleitores na campanha.
Negar esse direito é não querer que a população possa interferir nos rumos das políticas públicas. É negar a própria política.


FÁBIO KERCHE, 35, doutor em ciência política pela USP e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ), é assessor da presidência do BNDES.

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