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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Paulo 2002: um exemplo para nossos dias
Esta é a história de um golpe. Um
golpe verdadeiro. A vítima foi o sr.
Guilherme Lebeis, homem que havia
construído todo o seu patrimônio
com base no trabalho.
Já no início do século 20, ele possuía
valiosas propriedades na cidade de
São Paulo. Só para ter uma idéia, o
Hotel de França, que era um primor
de edificação, ficava nos famosos quatro cantos da rua Direita, onde hoje é a
praça do Patriarca. Quem conhece
São Paulo pode bem imaginar o alto
valor daquela propriedade.
Um outro prédio de preço inestimável era um casarão na avenida Higienópolis, na Vila Buarque. A propriedade era tão grande que, mais tarde,
ali se instalou o enorme colégio Sion,
que todos os paulistanos conhecem.
O rol dos terrenos e casas que formavam o patrimônio do sr. Guilherme era imenso -e tudo construído
na base do suor.
Pois bem. Sua filha Alice ficou noiva
no meio de todo esse dote. O noivo,
até então considerado pessoa de bem,
pediu ao futuro sogro que endossasse
umas notas promissórias de valor altíssimo; pedido que foi atendido, pela
confiança que o sr. Guilherme depositava no moço e pelo amor que tinha
pela filha.
Obtidas as assinaturas, o noivo sumiu, deixando a noiva e a família Lebeis perplexas e arrasadas economicamente. O tombo foi de tal monta que,
para saldar a palavra empenhada, o sr.
Guilherme viu-se obrigado a vender
todas as suas propriedades e, com
mais de 70 anos, recomeçou a vida, indo morar numa pequena casa de aluguel no largo Santa Cecília.
Alice jamais se casou e seu pai ficou
conhecido como o "2002", que foi a fabulosa quantia da trapaça que o arruinou e que foi quitada até o derradeiro
tostão, em parte com as propriedades,
em parte com mais trabalho.
Essa história me comoveu. Em primeiro lugar porque revela a longa tradição dos golpistas, profissão arraigada em nossa cultura e praticada impunemente através da história.
Em segundo lugar porque ela foi
contada pelo meu amigo Paulo Bonfim, no seu último livro, "O Caminheiro", referindo-se ao seu bisavô Guilherme Lebeis. O caso afetou a vida de
sua família durante muito tempo.
Em terceiro lugar, pela beleza do
comportamento do próprio Guilherme, que, com resignação e denodo,
trabalhou mais de dez anos, com um
só propósito: honrar o nome que tem.
É, meu caro Paulo Bonfim, os tempos mudaram. A história recente
mostra condutas bem diferentes. O
tombo de seu bisavô foi de 2002. Não
nos esqueçamos que 2002 é ano de
eleições e que os golpistas continuam
soltos...
Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.
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