São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Paulo 2002: um exemplo para nossos dias

Esta é a história de um golpe. Um golpe verdadeiro. A vítima foi o sr. Guilherme Lebeis, homem que havia construído todo o seu patrimônio com base no trabalho.
Já no início do século 20, ele possuía valiosas propriedades na cidade de São Paulo. Só para ter uma idéia, o Hotel de França, que era um primor de edificação, ficava nos famosos quatro cantos da rua Direita, onde hoje é a praça do Patriarca. Quem conhece São Paulo pode bem imaginar o alto valor daquela propriedade.
Um outro prédio de preço inestimável era um casarão na avenida Higienópolis, na Vila Buarque. A propriedade era tão grande que, mais tarde, ali se instalou o enorme colégio Sion, que todos os paulistanos conhecem.
O rol dos terrenos e casas que formavam o patrimônio do sr. Guilherme era imenso -e tudo construído na base do suor.
Pois bem. Sua filha Alice ficou noiva no meio de todo esse dote. O noivo, até então considerado pessoa de bem, pediu ao futuro sogro que endossasse umas notas promissórias de valor altíssimo; pedido que foi atendido, pela confiança que o sr. Guilherme depositava no moço e pelo amor que tinha pela filha.
Obtidas as assinaturas, o noivo sumiu, deixando a noiva e a família Lebeis perplexas e arrasadas economicamente. O tombo foi de tal monta que, para saldar a palavra empenhada, o sr. Guilherme viu-se obrigado a vender todas as suas propriedades e, com mais de 70 anos, recomeçou a vida, indo morar numa pequena casa de aluguel no largo Santa Cecília.
Alice jamais se casou e seu pai ficou conhecido como o "2002", que foi a fabulosa quantia da trapaça que o arruinou e que foi quitada até o derradeiro tostão, em parte com as propriedades, em parte com mais trabalho.
Essa história me comoveu. Em primeiro lugar porque revela a longa tradição dos golpistas, profissão arraigada em nossa cultura e praticada impunemente através da história.
Em segundo lugar porque ela foi contada pelo meu amigo Paulo Bonfim, no seu último livro, "O Caminheiro", referindo-se ao seu bisavô Guilherme Lebeis. O caso afetou a vida de sua família durante muito tempo.
Em terceiro lugar, pela beleza do comportamento do próprio Guilherme, que, com resignação e denodo, trabalhou mais de dez anos, com um só propósito: honrar o nome que tem.
É, meu caro Paulo Bonfim, os tempos mudaram. A história recente mostra condutas bem diferentes. O tombo de seu bisavô foi de 2002. Não nos esqueçamos que 2002 é ano de eleições e que os golpistas continuam soltos...


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.



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