São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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AGORA É O FMI

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva começa apenas em janeiro, e o presidente Fernando Henrique Cardoso tem feito esforço notável para dar consistência e transparência à transição. Mas, com a economia do país em crise e dependente do Fundo Monetário Internacional, esses dois meses antes da posse serão mais que uma rotineira transferência do poder.
Decisões urgentes precisam ser tomadas em muitas áreas sensíveis da economia. Serão decisões não apenas compartilhadas pelas equipes de Lula e de FHC, mas sobretudo ditadas pelas exigências do FMI, organismo financeiro que é o fiador em última instância da moeda brasileira.
Reformas estruturais e projetos de desenvolvimento são peças importantes da mudança do modelo econômico prometida pelo PT. No curtíssimo prazo, entretanto, as atenções estarão voltadas principalmente para o relacionamento do governo brasileiro com o FMI.
O ideal para Lula é que FHC submeta já o país às terapias dolorosas que os mercados associam à boa governança econômica.
Em tese, quanto mais intensa a dose do ajuste econômico nos próximos meses, mais cedo poderá o governo Lula transitar para uma agenda mais positiva, em que a estabilidade esteja sob menos risco e a economia possa voltar a crescer, sujeita, evidentemente, aos rumos incertos da economia mundial.
É importante notar, aliás, que essa difícil dialética entre buscar novos modelos de desenvolvimento e ater-se às políticas de curto prazo que agradem aos mercados foi uma das marcas da era FHC.
Nunca se chegou propriamente a um novo modelo, sustentável no longo prazo, embora muitas das características do nacional-desenvolvimentismo tenham sido eliminadas com privatizações e reformas. Mas, na prática, as sucessivas crises internacionais, a confiança cega no financiamento externo e o fracasso em completar a agenda de reformas no Congresso levaram o país à dramática condição atual.
O programa econômico de Lula também promete reformas (tributária, previdenciária, do mercado de capitais). Sob o FMI, no entanto, a profundidade, o sentido e o ritmo dessas reformas continuarão sujeitos às condicionalidades impostas pelo consenso dos mercados.
O ajuste fiscal é doloroso e as decisões relativas ao Orçamento precisam ser tomadas rapidamente. A reforma do Estado empreendida pelo governo FHC, os contornos da nova legislação sobre responsabilidade fiscal e mesmo a mecânica de planejamento de gastos públicos criaram limites que praticamente imobilizam o novo governo no curto prazo.
Os efeitos da crise cambial também estarão em cena nos próximos meses, mesmo levando em conta a hipótese de os mercados concederem a Lula um período de lua-de-mel, com menos pressão contra o real.
Reajustes de tarifas e repasses de choques de custos estão na agenda de um número significativo de agentes econômicos, da Petrobras às concessionárias de energia elétrica, passando por setores exportadores, que se beneficiam do real desvalorizado, mas que, em muitos casos, são também empresas importadoras.
Além dos desafios fiscal, cambial e das pressões de custos, inflacionárias, a economia brasileira vem gerando saldos no comércio exterior, que resultaram, nos últimos meses, da contenção da atividade econômica, especialmente por meio da manutenção de taxas de juros reais elevadas e do corte de gastos.
Dificilmente será possível conciliar, no curto prazo, recuperação econômica e geração de grandes superávits no comércio exterior.
São essas dimensões conflitantes da política macroeconômica que compõem o mapa de desafios monitorado detalhada e cotidianamente pelos mercados. Sob Lula, o Brasil continuará a ser uma economia tutelada pelo FMI.


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