São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Para mais ou para menos

RIO DE JANEIRO - Para mais ou para menos, para o bem ou para o mal, Lula chegou finalmente lá. Antes de mais nada, registre-se o óbvio: pela primeira vez, um ex-operário chega ao poder sem necessidade de uma revolução, de uma profunda alteração no sistema institucional de um país. Nem Marx, nem Lênin poderiam prever isso, uma vez que pensavam em classes, e não em indivíduos.
Até que ponto o ex-metalúrgico mudou, não de grau, mas de gênero, deixando de ser povão para ser cartola, o futuro imediato dirá. Karol Wojtyla foi operário numa Polônia oprimida inicialmente pelo nazismo, depois pelo comunismo, chegou a papa, mas se tornou João Paulo 2º.
Registre-se também o lado positivo deste episódio eleitoral. Não há no horizonte presumível nenhuma ameaça de golpe ou de casuísmo. A pressão externa, que se tornou explícita ao longo da campanha, tanto na alta do dólar como nos desabafos de alguns megaespeculadores, não alterou a vontade nacional, que desejou colocar no poder um não-bacharel, um homem de língua presa e gramática solta.
Não votei nele nem em Serra. Não votei em nenhum dos candidatos presidenciáveis. Mas, passada a poeira, reconheço que os quatro que disputaram o primeiro turno, e principalmente os dois que foram ao segundo, apesar de um ou outro arranhão no percurso, portaram-se com absoluta dignidade.
Mesmo assim, há de se admitir a margem aberta para o medo. Não para o medo de Lula, que é um bom sujeito, mas dos aproveitadores de sempre, que rondaram o eleito com aquilo que o finado Jânio Quadros chamava de "apetites".
Não pelo apetite das negociatas, mas pelo apetite da desforra. É evidente que nenhum governo, nem mesmo o de Lula, será imune às investidas ao erário público. Teme-se que, em nome da pureza ideológica que lubrificou a máquina do PT lá atrás, o próprio Lula seja incapaz de deter as cobranças que certamente virão.


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