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MERCADOS SEM GOVERNO
Mercado sem regras, desgovernado. É o que se observa no imbróglio
sobre tarifas nos setores recentemente privatizados. Agências reguladoras, que negociam a variação de preços, e autoridades econômicas não se
entendem minimamente para forjar
um sistema no qual o funcionamento de cada setor esteja em harmonia
com a política macroeconômica.
Na semana passada o Banco Central divulgou uma nota que registra a
significativa distância entre o reajuste
de tarifas e a taxa de inflação. Houve
aumento, neste ano, de 16,79% nas
tarifas públicas, enquanto a variação
do Índice de Preços ao Consumidor
Ampliado (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 6,01% (no período de janeiro a setembro).
É uma situação duplamente perigosa. Primeiro, porque a preocupação
do BC com o tema é um sinal de que
há uma probabilidade não desprezível de uma nova alta de juros. Segundo porque revela que é baixo o grau
de coordenação entre as políticas
macroeconômicas (juros) e as microeconômicas (tarifas, envolvendo
as agências de regulação). Nos tempos em que a inflação era crônica e alta, costumava-se falar em "patamares". Hoje, predomina a percepção
de que as pressões inflacionárias são
passageiras e reversíveis.
No entanto, já surgem também
analistas preocupados diante da proximidade de uma inflação de dois dígitos, o que seria um novo patamar.
Quanto mais alto for o patamar atingido pela inflação, mais difícil e custoso se torna reverter sua tendência
de alta. A falta de sintonia e coordenação entre as autoridades econômicas e as agências de regulação dos setores de infra-estrutura não contribui
para desanuviar o horizonte.
A privatização ocorreu, entre outros
motivos, para acabar com a politização de tarifas, prática populista que
terminou por comprometer a capacidade de investimento nos setores de
infra-estrutura. Aliás, em vários setores (como transportes, energia, telecomunicações e saneamento básico),
as necessidades de investimento continuam bastante significativas. A política de represamento artificial de tarifas, além de inviabilizar investimentos, colide com os contratos estabelecidos para as concessões.
Ainda assim, é razoável cobrar das
agências de regulação que levem em
consideração alguns critérios de estabilidade macroeconômica em suas
gestões. Afinal, criar um mal-estar
com relação ao controle da inflação
ou obrigar o país a conviver indefinidamente com taxas de juros elevadas
demais são procedimentos que também comprometem a capacidade de
investimento e o retorno dos projetos
de infra-estrutura. Não será por meio
de correção de tarifas que se viabilizarão grandes projetos, mas apenas
com crescimento sustentado, ou seja, com uma expansão consistente
dos mercados consumidores.
Por enquanto, o BC e a Fazenda parecem condenados a fazer pressões
imediatistas sobre as agências, para
forçá-las a colaborar com o esforço
anti-inflacionário. Como sempre, depois de ser negligente ou de apostar
nas virtudes do mercado sem governo, é o governo mesmo que se afoba
para remediar os próprios erros.
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