São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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MERCADOS SEM GOVERNO

Mercado sem regras, desgovernado. É o que se observa no imbróglio sobre tarifas nos setores recentemente privatizados. Agências reguladoras, que negociam a variação de preços, e autoridades econômicas não se entendem minimamente para forjar um sistema no qual o funcionamento de cada setor esteja em harmonia com a política macroeconômica.
Na semana passada o Banco Central divulgou uma nota que registra a significativa distância entre o reajuste de tarifas e a taxa de inflação. Houve aumento, neste ano, de 16,79% nas tarifas públicas, enquanto a variação do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi de 6,01% (no período de janeiro a setembro).
É uma situação duplamente perigosa. Primeiro, porque a preocupação do BC com o tema é um sinal de que há uma probabilidade não desprezível de uma nova alta de juros. Segundo porque revela que é baixo o grau de coordenação entre as políticas macroeconômicas (juros) e as microeconômicas (tarifas, envolvendo as agências de regulação). Nos tempos em que a inflação era crônica e alta, costumava-se falar em "patamares". Hoje, predomina a percepção de que as pressões inflacionárias são passageiras e reversíveis.
No entanto, já surgem também analistas preocupados diante da proximidade de uma inflação de dois dígitos, o que seria um novo patamar. Quanto mais alto for o patamar atingido pela inflação, mais difícil e custoso se torna reverter sua tendência de alta. A falta de sintonia e coordenação entre as autoridades econômicas e as agências de regulação dos setores de infra-estrutura não contribui para desanuviar o horizonte.
A privatização ocorreu, entre outros motivos, para acabar com a politização de tarifas, prática populista que terminou por comprometer a capacidade de investimento nos setores de infra-estrutura. Aliás, em vários setores (como transportes, energia, telecomunicações e saneamento básico), as necessidades de investimento continuam bastante significativas. A política de represamento artificial de tarifas, além de inviabilizar investimentos, colide com os contratos estabelecidos para as concessões.
Ainda assim, é razoável cobrar das agências de regulação que levem em consideração alguns critérios de estabilidade macroeconômica em suas gestões. Afinal, criar um mal-estar com relação ao controle da inflação ou obrigar o país a conviver indefinidamente com taxas de juros elevadas demais são procedimentos que também comprometem a capacidade de investimento e o retorno dos projetos de infra-estrutura. Não será por meio de correção de tarifas que se viabilizarão grandes projetos, mas apenas com crescimento sustentado, ou seja, com uma expansão consistente dos mercados consumidores.
Por enquanto, o BC e a Fazenda parecem condenados a fazer pressões imediatistas sobre as agências, para forçá-las a colaborar com o esforço anti-inflacionário. Como sempre, depois de ser negligente ou de apostar nas virtudes do mercado sem governo, é o governo mesmo que se afoba para remediar os próprios erros.



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