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CLÓVIS ROSSI
Fatalidade
SÃO PAULO - Ler o mais recente
relatório sobre o desenvolvimento
humano da ONU traz à memória,
inexoravelmente, esta frase de Mário de Andrade: "Progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade".
Ou, como prefere um contemporâneo, o economista brasileiro Flávio Comin, um dos autores do relatório de desenvolvimento humano
divulgado ontem pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento), é preciso ter
cautela na hora de avaliar a importância da classificação do Brasil entre os países de alto desenvolvimento humano.
"O Brasil vem avançando em termos absolutos e caindo em termos
relativos", diz Comin. Ou, usando
uma formulação que vai se tornando lugar-comum, mas nem por isso
é incorreta: "É a questão do copo
meio cheio ou meio vazio. Para
mim, o copo está meio vazio".
O que torna o copo ainda mais vazio é o fato de que o PNUD compra,
como é a praxe, a versão oficial de
que a desigualdade no Brasil está se
reduzindo, o que não é fato.
O que há, conforme pesquisadores do Ipea já atestaram, é uma elevada subdeclaração dos rendimentos financeiros por parte dos mais
ricos, enquanto os mais pobres declaram sua renda real, o que faz parecer que a distância caiu.
Não caiu, atesta o próprio presidente do Ipea, Marcio Pochmann,
em texto de julho para o jornal "Valor Econômico":
"A parte da renda do conjunto
dos verdadeiramente ricos afasta-se cada vez mais da condição do trabalho, para aliar-se a outras modalidades de renda, como aquelas provenientes da posse da propriedade
(terra, ações, títulos financeiros,
entre outras). (...)A renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de
imóveis) cresceu mais rapidamente
que a variação da renda nacional e,
por conseqüência, do próprio rendimento do trabalho".
É, pois, "tiquinho" e "fatalidade".
crossi@uol.com.br
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