São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997.



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O REAL CONTRA O TEMPO

Num ano repleto de turbulências, o destino da taxa de câmbio foi a maior inquietação econômica no Brasil. Muito antes da crise cambial do Sudeste Asiático, as preocupações de analistas e, por fim, até mesmo do governo, voltaram-se para o desequilíbrio das contas externas.
Quando o pânico nos mercados de ações e de moedas tornou-se generalizado, no final de outubro, não houve alternativa senão puxar rapidamente o freio, dobrando os juros, aumentando os impostos e reduzindo os gastos. Teve início um esforço, até agora bem-sucedido, de evitar que a economia brasileira sofra o mesmo tipo de ataque especulativo ainda em curso nos mercados asiáticos.
Na prática, portanto, a "prova dos nove" da política econômica brasileira ainda não aconteceu.
O governo queria mais tempo para provar que a alta nas importações, mediante complexos encadeamentos na estrutura produtiva, acabaria por se converter em mais exportações, fruto da modernização da economia e da expansão dos investimentos estrangeiros.
Os críticos, serenos, paranóicos ou catastrofistas, foram ao menos em parte vitoriosos. Não houve tempo hábil e as advertências sobre a instabilidade financeira global mostraram-se acertadas. A globalização é inevitável, mas não é confiável.
Mas, ao menos por ora, erraram os que previram o colapso da taxa cambial brasileira. O governo deu uma firme demonstração de compromisso com a estabilidade, preferindo sacrificar investimentos, produção e empregos a arredar pé do modelo conhecido como "âncora cambial".
O que talvez falte nesse debate ainda inconcluso sobre a consistência e a sustentabilidade do real é uma consciência mais clara dos desequilíbrios internos que também vão surgindo e se aprofundando em nome da estabilização da inflação.
Assim como o déficit comercial tornou-se um indicador fundamental e alarmante da solvência externa do país, a dívida pública interna vem assumindo proporções talvez até mais preocupantes. O total de papéis públicos federais (do Tesouro Nacional e do Banco Central) no mercado passou de menos de 10% para quase 26% do PIB. Se forem incluídas as dívidas estaduais e municipais, o quadro é ainda mais grave.
É, literalmente, a outra face da moeda. Para atrair os dólares com os quais financiou o déficit comercial e viabilizou a estabilidade de preços, o governo elevou os juros. Os dólares entraram no país, convertendo-se em reais que, por sua vez, ficaram abrigados sob a forma de dívida pública. Não há economista no mundo capaz de argumentar em favor de uma política de estabilização que, ao longo dos anos, não consiga estancar tamanhos saltos no endividamento público. Desculpáveis ou necessários no início da estabilização, eles tornam-se um estorvo insuportável com o passar do tempo.
A necessária privatização, que vem ocorrendo em setores outrora considerados estratégicos, tende a assumir os contornos de uma vitória de Pirro, em face da dimensão colossal que vai assumindo a dívida pública.
Para salvar a moeda, o governo elevou ainda mais os juros, impondo freios à atividade econômica. Mas essas providências apenas agravam os custos do endividamento e, num ambiente de arrecadação de impostos declinante, podem até mesmo aumentar as necessidades de financiamento do setor público.
Constata-se mais uma vez, portanto, que a defesa da estabilidade no curto prazo vai criando uma série de inconsistências a médio e longo prazos. Essa é a verdadeira corrida do real contra o tempo. O problema cambial, em si mesmo grave e muito complexo, está indissoluvelmente ligado ao nó que continua sufocando as contas públicas. Infelizmente, ainda não surgiu uma fórmula ou um líder capaz de desatá-lo.






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