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O REAL CONTRA O TEMPO
Num ano repleto de turbulências, o
destino da taxa de câmbio foi a maior
inquietação econômica no Brasil.
Muito antes da crise cambial do Sudeste Asiático, as preocupações de
analistas e, por fim, até mesmo do
governo, voltaram-se para o desequilíbrio das contas externas.
Quando o pânico nos mercados de
ações e de moedas tornou-se generalizado, no final de outubro, não houve alternativa senão puxar rapidamente o freio, dobrando os juros, aumentando os impostos e reduzindo
os gastos. Teve início um esforço, até
agora bem-sucedido, de evitar que a
economia brasileira sofra o mesmo
tipo de ataque especulativo ainda em
curso nos mercados asiáticos.
Na prática, portanto, a "prova dos
nove" da política econômica brasileira ainda não aconteceu.
O governo queria mais tempo para
provar que a alta nas importações,
mediante complexos encadeamentos
na estrutura produtiva, acabaria por
se converter em mais exportações,
fruto da modernização da economia
e da expansão dos investimentos estrangeiros.
Os críticos, serenos, paranóicos ou
catastrofistas, foram ao menos em
parte vitoriosos. Não houve tempo
hábil e as advertências sobre a instabilidade financeira global mostraram-se acertadas. A globalização é
inevitável, mas não é confiável.
Mas, ao menos por ora, erraram os
que previram o colapso da taxa cambial brasileira. O governo deu uma
firme demonstração de compromisso com a estabilidade, preferindo sacrificar investimentos, produção e
empregos a arredar pé do modelo conhecido como "âncora cambial".
O que talvez falte nesse debate ainda inconcluso sobre a consistência e
a sustentabilidade do real é uma
consciência mais clara dos desequilíbrios internos que também vão surgindo e se aprofundando em nome
da estabilização da inflação.
Assim como o déficit comercial tornou-se um indicador fundamental e
alarmante da solvência externa do
país, a dívida pública interna vem assumindo proporções talvez até mais
preocupantes. O total de papéis públicos federais (do Tesouro Nacional
e do Banco Central) no mercado passou de menos de 10% para quase
26% do PIB. Se forem incluídas as dívidas estaduais e municipais, o quadro é ainda mais grave.
É, literalmente, a outra face da moeda. Para atrair os dólares com os
quais financiou o déficit comercial e
viabilizou a estabilidade de preços, o
governo elevou os juros. Os dólares
entraram no país, convertendo-se em
reais que, por sua vez, ficaram abrigados sob a forma de dívida pública.
Não há economista no mundo capaz
de argumentar em favor de uma política de estabilização que, ao longo
dos anos, não consiga estancar tamanhos saltos no endividamento público. Desculpáveis ou necessários
no início da estabilização, eles tornam-se um estorvo insuportável com
o passar do tempo.
A necessária privatização, que vem
ocorrendo em setores outrora considerados estratégicos, tende a assumir os contornos de uma vitória de
Pirro, em face da dimensão colossal
que vai assumindo a dívida pública.
Para salvar a moeda, o governo elevou ainda mais os juros, impondo
freios à atividade econômica. Mas essas providências apenas agravam os
custos do endividamento e, num ambiente de arrecadação de impostos
declinante, podem até mesmo aumentar as necessidades de financiamento do setor público.
Constata-se mais uma vez, portanto, que a defesa da estabilidade no
curto prazo vai criando uma série de
inconsistências a médio e longo prazos. Essa é a verdadeira corrida do
real contra o tempo. O problema
cambial, em si mesmo grave e muito
complexo, está indissoluvelmente ligado ao nó que continua sufocando
as contas públicas. Infelizmente,
ainda não surgiu uma fórmula ou um
líder capaz de desatá-lo.
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