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O Brasil deveria se endividar mais?
ROGERIO STUDART
Do ponto de vista financeiro, o fato de estarmos em uma situação confortável nos permite barganhar melhores condições de financiamento
NA ÚLTIMA sexta-feira, a notícia de que o Brasil tornou-se
credor líquido internacional
foi recebida com júbilo. Meu colega
no Fundo Monetário Internacional,
Paulo Nogueira Batista Jr., chegou a
afirmar, com razão, que nenhum economista de sua geração poderia imaginar presenciar esse fato. Já o presidente Lula saudou o momento, mas
defendeu a polêmica idéia de que o
país deveria voltar a endividar-se para
financiar a crescente demanda por infra-estrutura e integração regional.
Frente a essa declaração, fui questionado por alguns amigos se faz sentido endividar-se mais neste momento. Minha resposta tem sido sim. Por
motivos distintos: puramente financeiros, de desenvolvimento econômico e mesmo para gerar uma economia
menos vulnerável a crises financeiras
externas no futuro. Gostaria de tentar
aqui rapidamente explicar por quê.
Do ponto de vista financeiro, o fato
de estarmos em situação confortável
nos possibilita barganhar melhores
condições de financiamento (taxas de
juros mais reduzidas e vencimentos
mais alongados para o pagamento dos
passivos). O leitor pode perguntar:
mas isso é factível em um momento
de crise financeira internacional?
Sim, eu diria. Não há dúvida agora de
que a crise afetará a liquidez financeira internacional, mas, ao contrário do
que ocorreu com as crises anteriores,
com epicentro em países em desenvolvimento, esta crise nasceu nos Estados Unidos, se alastra pela Europa e
Japão. Nesse sentido, a "fuga para a
qualidade", desta vez, poderá beneficiar países como o Brasil, que tem demonstrado resistência a crises financeiras e reconhecidamente tem melhorado muitíssimo seus indicadores
macroeconômicos. Por outro lado, no
que tange ao investimento estrangeiro produtivo, o fato de o Brasil ter um
crescimento mais sólido e sustentável
o torna também um ímã para quem
foge das incertezas sobre o crescimento das economias nacionais.
No tocante ao desenvolvimento
econômico, dois dos principais gargalos para o crescimento sustentado do
nosso país são uma infra-estrutura
precária e um mercado doméstico relativamente reduzido para o potencial produtivo brasileiro. Os investimentos previstos pelo PAC são significativos, mas, para que alcancemos o
salto necessário de melhoria, o setor
privado tem de assumir uma posição
de destaque nos investimentos em infra-estrutura. Entretanto, se as expectativas empresariais sobre o futuro do Brasil são positivas, a oferta de
financiamento de longo prazo no país
continua limitada, tanto em volume
quanto em diversidade de instrumentos, ao BNDES. Este tem crescido de
maneira impressionante, e, por isso
mesmo, sua capacidade de expansão
futura parece muito aquém das necessidades de financiamento para o
setor privado.
Por fim, como argumentou a ministra Dilma Rousseff recentemente ao
defender os investimentos do PAC
(numa situação financeira internacional em deterioração), uma economia real sólida com um mercado doméstico em expansão é menos vulnerável a oscilações financeiras ou de
demanda externa. Não é preciso ser
"cepalino" (mas ajudaria) para aceitar
essa tese: basta acompanhar o debate
atual sobre o possível "descasamento" da China e da Índia num contexto
de retração da economia mundial.
Todos que crêem que seja possível esse descasamento baseiam seus argumentos no potencial de expansão dos
mercados domésticos. Por sinal, o
Brasil tem condições ainda melhores
do que China e Índia para seguir uma
trajetória descasada da conjuntura de
menor dinamismo da economia mundial, porque o crescimento de seu
mercado interno tem sido calcado
num salutar crescimento do consumo
de massa e de expansão de crédito.
Ou seja, endividar-se mais agora
para financiar infra-estrutura pode
paradoxalmente reduzir nossa vulnerabilidade a futuras turbulências dos
mercados internacionais, financeiros
e de comércio. Esse é um dos pilares
do conceito de "mercado de consumo
de massa", que muitos economistas
progressistas defendem há muitos
anos e que tem sido, corretamente,
um dos vértices da política econômica
brasileira nos últimos anos (por meio
dos exitosos programas de inclusão
social e econômica).
Em suma, o presidente Lula acerta
em dizer que o Brasil tem condições e
deve aproveitar o momento para se
endividar mais. Desta vez, deve fazê-lo de maneira mais seletiva (no que
tange às condições de risco), de forma
mais cautelosa e voltada principalmente para complementar as necessidades de financiamento de infra-estrutura e integração regional.
ROGERIO STUDART, 46, doutor em economia pela Universidade de Londres, é diretor-executivo do Banco Mundial para Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Haiti, Panamá, Suriname e Trinidad e Tobago.
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