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Questões de ordem
FREDERICO VASCONCELOS
``O Brasil tem urgência de deixar a
Vale em ordem. Quer dizer, está em
ordem, mas pode melhorar''.
A frase é do empresário Antonio Ermírio de Moraes, em entrevista ao repórter Antônio Carlos Seidl, deste jornal, às vésperas do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
O aparente tropeço, quase um ato
falho de um dos concorrentes, pode
servir como reforço para a tese central
dos que se opõem à privatização.
Afinal, como indaga o ex-presidente
Itamar Franco, espécie de porta-voz
dos descontentes, ``que insondáveis
motivos justificam sua venda''?
Evidentemente, não terá sido apenas
por falta de ordem interna na casa
-como acontece em muitas estatais- que se está buscando a privatização da Vale, acenando-se com a eficiência e o fôlego privados.
O bom senso recomendaria remeter
a discussão para um outro nível, outra
ordem -a questão da chamada nova
ordem econômica mundial, da globalização, do papel e dos limites do Estado (no caso brasileiro, perdulário e
incapaz de exercer suas funções sociais básicas, e sem cacife para continuar investindo adequadamente na
empresa).
A dificuldade de definir com clareza
o desafio de gerir uma gigante do porte da Vale também não deve ser atribuída apenas a um dos concorrentes.
``Para conhecer a Vale, vai demorar
uns dois anos'', admitiu Antonio Ermírio. Benjamin Steinbruch, que lidera o outro grupo, também empresário
de companhia de capital fechado,
confessa que ``a Vale não pode ser
mexida''. ``Teríamos seis meses para
entender realmente a Vale, discutir a
estratégia com a diretoria e os demais
funcionários'', diz, na mesma edição.
A hesitação oficial nos últimos meses -ora propondo a desestatização
da Vale, ora tirando o assunto de pauta para não comprometer outros objetivos, como a obtenção de apoio suficiente para garantir a reeleição do
presidente FHC- não deve ter contribuído para firmar, na opinião pública, a certeza de que a privatização é
o melhor caminho para o país.
``Eu não era favorável à privatização
da Vale até que fui vendo argumento
por argumento e me convenci'', afirmou FHC.
A pesquisa do Datafolha publicada
domingo último revela uma divisão
na opinião pública (43% contrários à
privatização e 38% apoiando a venda).
À parte os argumentos técnicos e
econômicos -e há alegações consideráveis nos dois lados-, trata-se de
uma discussão com forte teor político
e emocional. Resta saber o quanto da
divisão aferida pela pesquisa reflete
posições sedimentadas entre a população.
Os primeiros leilões de empresas estratégicas geraram confrontos, violência intolerável de grupos organizados.
O governo afirma estar preparado para uma prova maior, a batalha dos tribunais que promete ser acirrada. São
obstáculos a enfrentar, naturais num
processo democrático.
Para aqueles de memória curta, é
bom que se diga que o cenário é bem
mais arejado e saudável do que o que
prevalecia, anos atrás, quando outra
decisão estratégica -os contratos de
risco da Petrobrás- dependia apenas
da caneta do general-presidente.
Frederico Vasconcelos é repórter da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de André Lara Resende, que escreve às terças-feiras nesta coluna.
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