São Paulo, sábado, 29 de maio de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O presidente Lula deve vetar o reajuste de 7,7% aos aposentados aprovado pelo Congresso?

SIM

O Congresso no país das maravilhas

ROBERTO LUIS TROSTER

A proposta de um reajuste da Previdência de 7,72% é um desatino que não pode ser acatado pelo presidente. Obviamente que quanto maiores forem os proventos dos aposentados, melhor.
É aceito por todos que eles merecem velhice digna. A questão é que o momento atual exige responsabilidade. Aceitar a emenda é ser conivente com populismo anacrônico.
O acordo entre a equipe econômica e as centrais sindicais foi de uma elevação de 6,14%, portanto, acima da inflação, com ganho real e inserido em Orçamento que engloba a saúde, a segurança, a educação, enfim, o país e seu futuro.
A emenda do Legislativo, elevando o percentual, está fora de contexto e tumultua a gestão fiscal.
A atuação dos representantes lembra o conto de Alice, em que a percepção do mundo é distorcida e contrária ao bom senso.
Relatos de mordomias, funcionários fantasmas e atos administrativos secretos mostram que a visão da realidade no Congresso é outra, criando falsos paradigmas, como este: se o aumento não for dado, os aposentados ficarão "na mão".
Usando esse tipo de raciocínio mágico, deveria dar-se um aumento aos beneficiários do Bolsa Família, pois ganham menos que os aposentados, aos enfermeiros que os amparam e aos policiais que os protegem, que também não podem ficar "na mão". A lista é extensa, mas quem não pode ficar "na mão"mesmo é o futuro do país.
A irresponsabilidade pode custar caro. Os discursos defendendo a emenda ajudam a entender a falta de sintonia do Legislativo com a realidade. Não há mágica fora do país das maravilhas, e talvez do Congresso, que permita distribuir sem produzir. O que está acontecendo com a Grécia ilustra o ponto.
Governos anteriores dilapidaram seu futuro com gastos e regalias sem preocupação. A consequência é uma estagnação nos próximos anos, com um arrocho salarial, uma redução de benefícios e uma crise que poderiam ter sido evitados com um pouco de racionalidade e atenção com a produção.
O Brasil vive uma situação ambígua. Por um lado, as projeções de crescimento do PIB são de 50% para a próxima década. Todavia, por outro, o momento é de apreensão, com pressões inflacionárias internas, deficit crescente em contas externas e um cenário internacional de volatilidade, em grande parte causado pela crise grega.
É um contexto que está exigindo o aumento da taxa de juros e cortes no Orçamento, há incertezas no horizonte. Portanto, não é hora para o aumento adicional proposto. Se as condições mudarem em algum momento, num processo orçamentário abrangente, por que não?
A hora atual é de um otimismo cauteloso. As barreiras existentes podem ser superadas, e há condições objetivas para crescer; para tanto, deve-se aumentar a capacidade de produção do país, reconhecido pelo tamanho de seu mercado interno, ambiente empresarial dinâmico e sofisticação financeira.
Mas também é notório que o país tem uma legislação trabalhista obsoleta, uma tributação asfixiante e uma burocracia anacrônica.
O Congresso Nacional pode ajudar a fazer acontecer, e muito. Uma modernização do ambiente institucional contribuiria para elevar a produtividade e atrair investimentos. Isso aumentaria o produto por habitante e haveria mais recursos para que os menos favorecidos não ficassem "na mão".
Se o Congresso Nacional fizer essa mágica e não custasse tão caro, em vez de um aumento de 7,72%, poderia propor um de 17,72% ou até de 27,72% nos próximos anos, e seria aprovado por todos. Todavia, insiste num populismo anacrônico.


ROBERTO LUIS TROSTER, 59, doutor em economia pela USP, é sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

E-mail: robertotroster@uol.com.br.

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