São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES O Paquistão precisa de nossa ajuda, agora BAN KI-MOON
Debaixo de um céu de chumbo no Paquistão, vi um mar de sofrimento. As águas da enchente levaram milhares de cidades e vilas. Estradas, pontes e casas foram destruídas. Do céu, vi milhares de hectares de terras -o pão da economia paquistanesa- engolidas pela crescente maré. No chão, conheci pessoas aterrorizadas, vivendo sob a ameaça de não poder alimentar seus filhos e protegê-los da próxima onda da crise: a disseminação de diarreia, hepatite, malária e -a mais mortal- cólera. A escala do desastre desafia a compreensão. Em todo o país, estima-se que entre 15 e 20 milhões de pessoas foram afetadas. Isso é mais do que toda a população atingida pelo tsunami no oceano Índico, pelo terremoto da Caxemira em 2005, pelo ciclone Nargis em 2007 e pelo terremoto deste ano no Haiti -juntos. Pelo menos 160 mil quilômetros quadrados estão debaixo d'água -mais ou menos o equivalente ao Estado de Nova York. Por que o mundo tem sido lento para captar a dimensão desta calamidade? Talvez porque este não seja um desastre "feito para a TV", com um impacto repentino e resgates dramáticos. Um terremoto pode tirar milhares de vidas em um instante; em um tsunami, cidades inteiras e as suas populações desaparecem em um piscar de olhos. Em contrapartida, esta é uma catástrofe em câmera lenta -que se constrói ao longo do tempo. E está longe do fim. As chuvas de monção podem continuar por semanas. Mesmo que a água recue em algumas áreas, novas enchentes afetam outras. É por isso que a ONU divulgou um apelo emergencial por US$ 460 milhões. Isso equivale a menos de um dólar por dia por pessoa para manter 6 milhões de pessoas vivas nos próximos três meses -incluindo 3,5 milhões de crianças. Menos de uma semana após o apelo ter sido lançado, estamos no meio do caminho. Mas a resposta é insuficiente para a dimensão dessa catástrofe. Se agirmos agora, uma segunda onda de mortes causadas por doenças transmitidas pela água pode ser evitada. Não é fácil montar operações de emergência em lugares tão difíceis e, às vezes, perigosos. Mas já vi isso acontecer em todo o mundo, desde as partes mais remotas da África até as cidades destruídas no Haiti. E vi a mesma coisa no Paquistão na semana passada. Seis milhões de pessoas carecem de alimentos; 14 milhões carecem de cuidados de saúde, com foco especial nas crianças e mulheres grávidas. E, à medida que a água recua, temos de agir rápido para ajudar as pessoas a reconstruir o país e recolher os pedaços de suas vidas. Na mídia, ouvimos comentários sobre "esgotamento" -sugestões de que os governos estão relutantes em lidar com mais um desastre, que hesitam em contribuir. Na verdade, as evidências indicam o oposto. Os doadores estão colaborando com o Paquistão, e isso é encorajador. Se alguém está esgotado, certamente são as pessoas comuns que conheci no Paquistão -mulheres, crianças e pequenos agricultores, cansados dos problemas, conflitos e dificuldades econômicas, e que agora perderam tudo. No entanto, ao invés de cansaço, vi a determinação, a resistência e a esperança -a esperança de saberem que não estão sozinhos na hora em que mais precisam. Nós simplesmente não podemos ficar parados e deixar que este desastre natural se transforme em uma catástrofe feita pelo homem. Vamos apoiar o povo do Paquistão em cada passo do longo e difícil caminho pela frente. BAN KI-MOON, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA), é o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da República da Coreia. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Emílio Odebrecht: Formando novos líderes Próximo Texto: Ivald Granato: Bienal de Artes de SP - Alternativa 2010 Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |