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CLÓVIS ROSSI
O bosque e as surpresas
SÃO PAULO - O ruim de acompanhar eleições na própria terra é que você
acaba, muitas vezes, por ver apenas
as árvores, sem conseguir divisar todo o bosque.
Foi pelo menos essa a sensação deixada por uma conversa ontem com o
uruguaio Diego Achard, hoje consultor do Pnud (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento).
O "bosque" como o via Achard é assim: "É a primeira vez, desde Allende,
que um socialista radical se elege na
América Latina, ainda por cima em
um país da importância do Brasil, e
em tempos de globalização".
Abstraindo o "radical" (que não
subscrevo), é uma maneira interessante de ver as coisas. Para quem não
se lembra mais, Salvador Allende, da
mais autêntica estirpe socialista, elegeu-se presidente do Chile em 1970,
foi deposto por um golpe militar três
anos depois e nunca mais a esquerda
chegou ao poder na América Latina
(a bem da verdade, antes de Allende
não foram também muitos os esquerdistas eleitos).
Seria bastante interessante, como
objeto de estudo, ver um socialista lidando com um país gigantesco -e
com problemas gigantescos- em
tempos de globalização, o que está reduzindo a margem de manobra de
qualquer governante.
Mas parece pouco provável que os
estudiosos tenham tal chance. O discurso de Luiz Inácio Lula da Silva
ontem não foi nem socialista, nem
radical, nem mesmo surpreendente.
Tudo o que disse já fora dito antes
-ou por ele ou por seus porta-vozes
autorizados durante a campanha.
De novidade mesmo só o anúncio
da criação de uma secretaria de
emergência social com a missão de
combater a fome. Ainda assim, é parte da obsessão que Lula repetiu desde
a sua primeira campanha presidencial: a de fazer com que todo brasileiro tenha três refeições diárias.
A seguir nesse ritmo, surpreender-se-ão com o governo Lula apenas os
que esperam surpresas. Minha dúvida é saber se isso é bom ou ruim.
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