São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

O bosque e as surpresas

SÃO PAULO - O ruim de acompanhar eleições na própria terra é que você acaba, muitas vezes, por ver apenas as árvores, sem conseguir divisar todo o bosque.
Foi pelo menos essa a sensação deixada por uma conversa ontem com o uruguaio Diego Achard, hoje consultor do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
O "bosque" como o via Achard é assim: "É a primeira vez, desde Allende, que um socialista radical se elege na América Latina, ainda por cima em um país da importância do Brasil, e em tempos de globalização".
Abstraindo o "radical" (que não subscrevo), é uma maneira interessante de ver as coisas. Para quem não se lembra mais, Salvador Allende, da mais autêntica estirpe socialista, elegeu-se presidente do Chile em 1970, foi deposto por um golpe militar três anos depois e nunca mais a esquerda chegou ao poder na América Latina (a bem da verdade, antes de Allende não foram também muitos os esquerdistas eleitos).
Seria bastante interessante, como objeto de estudo, ver um socialista lidando com um país gigantesco -e com problemas gigantescos- em tempos de globalização, o que está reduzindo a margem de manobra de qualquer governante.
Mas parece pouco provável que os estudiosos tenham tal chance. O discurso de Luiz Inácio Lula da Silva ontem não foi nem socialista, nem radical, nem mesmo surpreendente. Tudo o que disse já fora dito antes -ou por ele ou por seus porta-vozes autorizados durante a campanha.
De novidade mesmo só o anúncio da criação de uma secretaria de emergência social com a missão de combater a fome. Ainda assim, é parte da obsessão que Lula repetiu desde a sua primeira campanha presidencial: a de fazer com que todo brasileiro tenha três refeições diárias.
A seguir nesse ritmo, surpreender-se-ão com o governo Lula apenas os que esperam surpresas. Minha dúvida é saber se isso é bom ou ruim.


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